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Como Nimbys podem interferir no desenvolvimento de projetos imobiliários
POR FELIPE MIRANDA/ ADIT BRASIL
Um Nimby pode ser o vizinho direto de um novo empreendimento, atores da cidade que questionam o impacto dessa nova obra em sua comunidade ou até mesmo atores de fora da cidade. Do inglês, “not-in-my-backyard” ou “não no meu quintal”, um Nimby compreende movimentos contrários à implementação de projetos imobiliários e pode, quase que instantaneamente, significar problemas e atrasos. Confirmada na 10ª edição do Complan, o principal Seminário sobre Comunidades Planejadas, Loteamentos e Desenvolvimento Urbano do Brasil, Oriana Rey Tanaka, sócia-Diretora da Visões da Terra, pretende, em sua participação no evento, reforçar a importância de adotar uma postura transparente e próxima para contornar situações como essa.
Ignorar o impacto dos nimbys no desenvolvimento de qualquer projeto é um erro. Essa postura distante pode contribuir para o fortalecimento desses grupos, havendo até organizações mais estruturadas. Entre as consequências, Oriana destaca:
- (i) embargo de obra, uma vez que eles podem acionar o judiciário sobre uma eventual irregularidade no projeto ou na obra;
- (ii) prejuízo de imagem e comercial, quando os reclamantes se utilizam da imprensa e mídias sociais para apresentarem aspectos negativos do empreendimento; e
- (iii) físicos, quando os manifestantes contrários aos empreendimentos fazem bloqueio no acesso da obra.
Podem haver muitas razões para um projeto se tornar indesejável para a comunidade. O principal deles está no impacto direto que o empreendimento terá na rotina dos moradores do entorno. “Seja no período de obra por gerar muito ruído e poeira, seja no projeto final que alterará os viários do entorno ou trará um público indesejado pela comunidade atual”, explica a advogada que possui 17 anos de experiência no tema de sustentabilidade, tendo atuado em empresas como o Banco ABN AMRO Real, Natura Cosméticos, Amigos da Terra – Amazônia Brasileira e Cipasa Urbanismo. O segundo motivo reside na expectativa que a própria comunidade tem para o uso urbano daquela área. “Por exemplo, a comunidade pode esperar que aquela área chegasse a ter um uso público como um parque ou a construção de outros estabelecimentos como escola, creche ou hospital.”
A visão de futuro que um empreendedor ou incorporador tem quando pensa em zoneamento e ocupação do espaço urbano geralmente engloba um período entre 10 e 15 anos. Esse recorte de tempo pode ser incompreendido pela população. “É sabido que muitos projetos imobiliários, para sua implantação, precisam que o zoneamento seja alterado, e esse é um processo natural. Foi assim que as cidades foram se expandindo e se adequando”, afirma.
Nesse processo, o indicador predominante costuma ser o VGV (Valor Geral de Vendas), deixando de lado a reflexão do que, de fato, seria importante e ideal para tal ocupação urbana daquele espaço.
“No caso de empreendimentos imobiliários, após o empreendedor vender todas as suas unidades, ele não terá mais relação com aquela comunidade. É muito importante que os empreendedores compreendam o seu real papel social em contribuir genuinamente com o desenvolvimento ordenado daquela cidade”, reforça Oriana. “Eles precisam pensar em projetar pensando duas décadas à frente, onde se poderá, por exemplo, passear com seu neto naquela cidade do interior do Brasil e apresentar sua contribuição com aquele projeto imobiliário.” É sobre como cada um pode agregar para que cidades por todo o país se tornem seguras, inclusivas, verdes e com melhor mobilidade.
Na hora de negociar e apresentar contrapartidas para os nimbys, ela destaca a empatia com os atores da cidade. “Empreendimentos imobiliários não são obras ou estabelecimentos de altíssimos impactos sociais e ambientais como as hidrelétricas e aeroportos. Na maioria das vezes, diálogo e transparência sobre o projeto, já o suficiente.” Ações de mitigações de impacto durante a obra, como poeira e ruído, além do alinhamento sobre as interferências nas vias públicas, são detalhes valiosos nessa negociação. “O empreendedor precisa estar aberto para ouvir os atores locais e eventualmente realizar alguns ajustes no projeto com a contribuição da comunidade.”
Oriana cita um exemplo pessoal.
“Em uma cidade grande no interior de São Paulo eu apresentei o projeto de duplicação de uma via pública aos atores locais, ocorre que eles se sentiram impactados pois teriam as calçadas reduzidas e não teriam mais vagas para seus clientes. De fato, o desenho original não previa estacionamento na rua e isso traria um impacto negativo para os comerciantes locais. Em conversa com empreendedor, poder público e comunidade redesenhamos a duplicação da via, reduzimos canteiros e foi possível a construção de algumas vagas na rua. Salvo o custo de tempo e readaptação do projeto, essa iniciativa não trouxe mais nenhum impacto financeiro para o empreendedor. Caso não tivéssemos conversado com os comerciantes muito provavelmente eles teriam feito manifestação na frente da obra.”
UM PROJETO BOM É TOTALMENTE SUBJETIVO
É impossível conseguir a aprovação unânime dos vizinhos quanto a qualquer projeto imobiliário. Porém, é muito fácil conseguir a desaprovação geral. “Um projeto ruim, sem diálogo, sem transparência, sem respeito aos atores locais e inflexível com certeza terá 100% de reprovação pelos vizinhos que poderão causar grandes transtornos judiciais, de imagem e comercial para o empreendedor”, pontua a advogada. Em um conceito de macro marketing, que vai além do plano de comunicação de divulgação do projeto, ela destaca a metodologia Charrete design ainda na fase de concepção do empreendimento. “Me refiro também ao desenvolvimento de preço, praça e promoção. É uma grande oportunidade para envolver diversos stakeholders em sua aplicação.”
Stakeholders são todas as pessoas e organizações que tenham interesse no projeto. No processo de Charrete se inclui a população para apresentação de detalhes e benefícios do empreendimento, além de avaliar sugestões específicas que venham a ser apresentadas e possam ser incorporadas ao projeto.
“Evidentemente que na maioria dos projetos não é possível a aplicação dessa metodologia de forma completa, mas sempre há alguma área verde que o empreendedor terá que doar, ou um terreno que será destinado para uma ação institucional, ou um problema de drenagem preexistente no bairro que precisará ser resolvido”, lista. Tratam-se de aspectos pontuais que envolvem esse arcabouço local ainda nas fases iniciais e que pode se tornar uma jornada enriquecedora. “Sem dúvidas são medidas e decisões que vão valorizar ainda mais o empreendimento, além de claramente construir uma boa relação com os vizinhos. Isso poderá chegar a surpreender o empreendedor.”
“Já tive um vizinho no Espírito Santo que me ligou alertando que a imprensa estava naquele momento indo para a obra para cobrir o excesso de poeira. Imediatamente acionei a equipe de engenharia e, no momento que a matéria entrou ao vivo, os caminhões pipa estavam atuando na obra”, lembra Oriana.
Um vizinho insatisfeito pode, realmente, embargar um projeto? Bem, o alcance de um protesto do Nimby atualmente é ilimitado. “Hoje, com as atuações nas redes sociais, um vídeo feito contra seu empreendimento imobiliário sobre algo muito negativo pode viralizar e ter o alcance de milhões de pessoas”, explica.
Nesse sentido, tem se reforçado a importância das empresas adotarem processos concretos de ESG (Environmental, Social and Governance) que, além de atrair investidores, garante que os valores da empresa sejam preservados nos processos, em especial nas terceirizações tão comuns nos projetos imobiliários. “Vale lembrar o que ocorreu recentemente com o Carrefour, que teve a morte de um homem negro espancado e asfixiado por seguranças terceirizados em uma unidade em Porto Alegre. A empresa foi excluída dos índices S&P Dow Jones e S&P/B3 Brazil ESG, e todo o Brasil e mundo ficaram sabendo do que ocorreu naquele estacionamento.”
Com terceirização e expansão geográfica dos negócios, o empreendedor do mercado imobiliário que não tiver processos bem definidos, poderá a qualquer momento ser surpreendido com algo negativo. “Se um vizinho nervoso com a poeira e ruído da obra vai até os funcionários, que já podem estar com a cabeça quente, e começar a reclamar com a equipe? Se os funcionários não tiverem absorvidos a forma da empresa de se relacionar com os vizinhos, espero que nada de negativo ocorra e alguém grave.”
Somente a insatisfação do vizinho não tem o poder de bloquear uma obra, mas, estando ele insatisfeito, ficará de olho em qualquer eventual deslize do projeto e da obra. “E, com certeza, dará luz a esta irregularidade para o Judiciário que, acionado pelo Ministério Público ou Ação Popular, poderá, sim, embargar a obra.”
COMPLAN – O principal seminário que debate o desenvolvimento inteligente das cidades
Quando: Dias 4, 5 e 6 de março
Onde: ITU (SP)
Evento híbrido com tickets presenciais e online – cuja transmissão será feita online para todo o país. Confira a programação completa e garanta a sua participação clicando aqui.
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