Artigos / Matérias
Obrigatoriedade de escritura pública para constituir alienação fiduciária pode prejudicar mercado imobiliário; entenda

Juristas comentam impacto negativo da mudança para loteamentos e incorporações.
A decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de tornar obrigatória a utilização de escritura pública para a constituição de alienação fiduciária em garantia, especialmente para entidades que não atuam no Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), tem gerado discordâncias significativas entre players e advogados do mercado imobiliário, que alegam que a medida trará prejuízos para o setor.
Em reunião online exclusiva para os associados da ADIT Brasil, os advogados Olivar Vitale (VBD Advogados), Kelly Durazzo (Durazzo & Medeiros Advogados) e Rita Martins (Rita Martins & Advogados) explicaram o histórico do processo, a decisão do CNJ e as implicações que impactarão nos custos e trâmites de compra e venda imobiliária.
Do que trata a decisão do CNJ
No mês passado, o CNJ decidiu, de forma unânime, que o artigo 38 da Lei nº 9.514/97 não substituirá a regra geral do Direito Privado estabelecida no artigo 108 do Código Civil. Entre as justificativas, a decisão alega que o objetivo é de garantir segurança jurídica e uniformizar as práticas entre os tribunais estaduais.

Dessa forma, apenas as entidades autorizadas a operar no Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), SFH e administradoras de consórcios poderão instituir a alienação fiduciária em garantia usando um documento particular com os mesmos efeitos de uma escritura pública.
Segundo essa regra, é essencial ter uma escritura pública para que negócios jurídicos envolvendo a constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, com valor superior a trinta vezes o maior salário-mínimo do país sejam válidos.
O principal receio do setor é que a medida aumente os custos das transações e burocratize o acesso ao crédito, incluindo operações de Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI), que costumam firmar contratos somente entre o proprietário do imóvel e a companhia securitizadora.
Origem e histórico do provimento
Kelly Durazzo falou sobre o contexto no qual a decisão aconteceu, tendo o primeiro provimento da temática surgido em Minas Gerais, mais de 5 anos atrás, o qual afirmava que instrumento particular para alienação fiduciária só deveria ser possível se feito por SFI ou Sistema Financeiro da Habitação (SFH). No entanto, na época, o processo demonstrava poucas chances de ser aprovado pelo Tribunal de Justiça.
“Levamos com muita tranquilidade, porque sabemos que um provimento de um Tribunal de Justiça é um ato infralegal não pode contrariar uma lei federal. E o artigo 38 da lei 9.514/9797 é clara e não tem nenhuma restrição para uso em particular, sem ser banco mesmo, porque a gente tem vários julgados no STJ falando que pode sim usar alienação fiduciária por um instrumento particular”, contou a advogada.

Apesar disso, o processo ficou parado por dois anos e após o retorno de seu andamento e com a troca da relatoria, acabou sendo aprovado pelo CNJ no início de junho. Algumas das entidades representantes do setor imobiliário já estão atuando na tentativa de reverter a situação.
O Secovi, a Associação das Empresas de Loteamento Urbano (Aelo) e a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) entraram com pedido recurso administrativo no CNJ , que, se não for aceito, será encaminhado como recurso para o STF, embora ainda não existam prazos determinados.
“Não temos como estimar nada disso. Em paralelo tem outras medidas que estamos tentando alterar, como a Lei 6.766, dentro de algum PL que já esteja em andamento para prever que possa então ser feito esse instrumento particular. Mas são coisas que infelizmente não temos data certa para seguir”, comentou Kelly.
O que pensam os especialistas e players
Os advogados especialistas no setor imobiliário destacaram várias preocupações quanto às possíveis consequências desta decisão do CNJ. Olivar Vitale citou principalmente as formalizações a mais que vão surgir dificultando as operações, contrariando um estudo do próprio conselho que ressalta a validade da prática na maior parte do país.
““Em alguns estados, como São Paulo, nunca houve discussão sobre a possibilidade de registro de compra e venda por instrumento particular, nunca houve problema. Um estudo que o próprio CNJ fez há alguns anos dizia que 22 das 27 unidades federativas entendiam que o instrumento particular era válido”, elucidou o advogado.
“Eu sempre falo que os dois institutos de direito que refletem a maior produção imobiliária do Brasil, são incorporação e loteamento, e os dois estão bastante acostumados com o uso de instrumento particular de venda e compra com alienação fiduciária previsto na lei 9.514/97”, argumentou Olivar.

A advogada Rita Martins, que também é coordenadora da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da ADIT Brasil, frisou o descontentamento dos empresários da área com a mudança e a efetividade que o modelo antigo cumpria sem indícios de fraude alguma.
“Eu já participei de várias rodas de discussão sobre esse assunto e realmente eu não vi nenhum empreendedor que elogiasse esse provimento, que achasse que foi ótimo e que isso que vá trazer segurança jurídica nas transações. Então, realmente eu acho que dentro do nosso contexto do mercado imobiliário o único segmento que efetivamente ficou agradecido e feliz com essa medida foram os tabelionatos”, enfatizou.
Na posição de player, Rogério Riquelme, diretor-executivo da loteadora Cipasa Urbanismo, expressou que o aumento dos custos e o imediatismo da medida poderá inviabilizar os projetos já em andamento, além daqueles de maior tamanho e complexidade.

“Essa medida é extremamente prejudicial ao setor, e é difícil colocar no preço a escritura ou o instrumento no momento da largada, ainda mais em loteamentos já em andamento. A gente está em 23 estados e alguns cartórios pelo Brasil já começaram a cobrar a escritura para o registro[…] Eu vejo de uma forma temerária essa questão, a gente tem lançamento de 3 mil lotes, imagina que loucura chamar o cartório para fazer a escritura de 3 mil lotes”, questionou Riquelme.
Considerando que os recursos ainda podem levar bastante tempo para serem respondidos, uma das recomendações de Kelly Durazzo seria optar pelo Compromisso de Compra e Venda (CCV), mesmo que isso implique na perda de alguns benefícios da alienação fiduciária.
“A minha orientação, infelizmente, considerando loteamentos que já estejam sendo vendidos há muito tempo e que não caibam colocar na conta da viabilidade do projeto ou repassar ao consumidor, é mudar para o CCV, mudar para compromisso particular e infelizmente perder as garantias reais da alienação fiduciária”, aconselhou a advogada.
A advogada ainda pontuou que o CCV tem forma extrajudicial de recuperação do crédito em caso de inadimplência, conforme o artigo 32 e seguintes da lei 6.766/79.
- Por Maíra Sobral – Analista de conteúdo na ADIT Brasil
Mais notícias
-
Reforma tributária: o que muda para negócios imobiliários e hoteleiros
-
Como viabilizar sustentabilidade e preservação ambiental em comunidades planejadas
-
ADIT Brasil lança edição atualizada do Glossário da Propriedade Compartilhada
-
Novo ano de conexões, conhecimento e experiências inicia na ADIT Brasil