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Um panorama após 2 anos de vigência da Lei dos Distratos/ 13.786/18
POR FELIPE MIRANDA/ ADIT BRASIL
Antes da Lei 13.786/18 entrar em vigor, os litígios entre adquirentes e incorporadoras eram resolvidos no judiciário. Desde a sua publicação, em dezembro de 2018, a chamada Lei dos Distratos surgiu com o intuito de oferecer maior segurança jurídica para ambas as partes envolvidas. Com ela, foram estabelecidos percentuais de retenção e devolução em contratos de compra e venda e promessa de compra e venda de imóveis frutos de incorporação.
Após mais de 2 anos em atividade, o impacto da lei no mercado imobiliário será pauta no ADIT Juris’21 – O principal Seminário de Soluções Jurídicas para os Setores Imobiliário e Turístico do país, que desembarca nos dias 12 e 13 de agosto, em Guarujá (SP).
“Essa lei foi editada para trazer substanciais alterações à Lei 4.591/1964 e com o principal objetivo de limitar os inúmeros pedidos de extinção dos contratos ausentes de fundamento, bem como ressaltar a irretratabilidade do contrato”, explica o Sócio do Junqueira Gomide & Guedes Advogados, Alexandre Gomide. O regulamento estabeleceu consequências para a resolução do contrato, ou seja, quando a extinção do vínculo se dá por culpa das partes.
O inadimplemento do incorporador, referido no artigo 43-A, § 1º, é o atraso da obra superior a 180 dias corridos da data estipulada contratualmente para conclusão do empreendimento, fato que, a critério do adquirente, permite a resolução do contrato, determinando-se, nesse caso, a devolução da integralidade de todos os valores pagos e pagamento de multa (art. 43-A, § 2º). A resolução do contrato também pode ocorrer por ausência do cumprimento do dever de informação, ou seja, quando o incorporador deixa de informar, no quadro resumo do contrato, informações determinadas pela lei (35-A, § 1º).
O inadimplemento absoluto do adquirente, referido no artigo 67-A, deve ser caracterizado quando transcorrido o prazo de 15 dias sem a purgação da mora, nos termos do artigo 1º, do Decreto 745/69[3]. Nessa hipótese, as consequências para a resolução do contrato encontram previsão nas alterações mais recentes da Lei 13.786/2018 que estabeleceu os percentuais de retenção dos valores pagos entre 25% (artigo 67-A, inciso II) a 50% (artigo 67-A, § 5º, quando há patrimônio de afetação).
A partir de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça, a lei passou a ser aplicada apenas em contratos firmados a partir da vigência da Lei. Em todos os tribunais estaduais do país, os contratos firmados até o dia 27 de dezembro de 2018 não seriam contemplados com a aplicação da lei. “Contudo, aos contratos firmados a partir da referida data, a lei se aplica na íntegra, apesar de algumas inconsistências técnicas”, reforça Gomide.
Segundo ele, os acertos, acima de tudo, são mais significativos. “Uma adaptação seria necessária apenas para adequar o texto à boa técnica jurídica. Contudo, mais relevante é que a 13.786/2018 seja finalmente aceita e respeitada pelos tribunais. Lamentavelmente, ainda há muita resistência nos tribunais quanto aos prazos e percentuais de multa. A considerar que a Lei não teve a sua constitucionalidade contestada, não pode o Poder Judiciário simplesmente desconsiderá-la.”
Para o Sócio do Dias & Amaral Advogados, Diego Amaral, o impacto da Lei dos Distratos foi e ainda está sendo muito grande. “O que tínhamos até então eram entendimentos jurisprudênciais, mas que, por vezes, não traduziam a realidade do segmento”, diz. As mudanças desde então foram várias, mas ele destaca uma. “A fixação de percentuais de retenção para os casos de iniciativa de busca de Rescisão Contratual por parte do adquirente de imóveis, sendo esses percentuais regulamentados tanto na incorporação quanto nos loteamentos, foi muito importante. A lei preencheu importantes lacunas do setor.”
Ele dá um exemplo prático de aplicação da lei: os casos de incorporação onde há instituído o instituto do patrimônio de afetação. “A retenção do incorporador, caso haja desistência do negócio por parte do consumidor, será de 50% do que já foi pago pelo adquirente, com a devolução prevista apenas para 30 dias após o habite-se do empreendimento”, explica. “A Lei dos Distratos não tem prazo de validade e não está vinculada a uma atualização determinada em períodos.”
Segundo Alexandre Gomide, a apelidada Lei do Distrato, a princípio, não estabelece nenhuma grande novidade a respeito da irretratabilidade. “Desde Roma os contratos são firmados para o adimplemento e não o contrário. Regra geral, as partes não podem, pura e simplesmente, extinguir unilateralmente o contrato em razão de sua conveniência”, pontua.
A Lei 13.786/2018, criou a possibilidade do exercício de arrependimento, permitindo que o adquirente possa, em prazo determinado, se arrepender da aquisição. Contudo, ultrapassado esse prazo, ela reitera que o contrato é irretratável e não caberá a desistência.
Se houver desistência do adquirente, ela deve ser considerada culposa, ensejando as multas determinadas na Lei. “Essa questão já deveria estar absolutamente resolvida, porque o texto da Lei é bastante claro. Contudo, reitero que alguns juízes são muito resistentes em aplicar os patamares estabelecidos na Lei 13.786/2018. Isso gera muita insegurança jurídica, lamentavelmente”, destaca o advogado.
A Lei tornou os adquirentes mais zelosos na aquisição imobiliária. “Impedindo que aventureiros especulem sem ter o efetivo interesse na compra. Certamente esse foi um grande avanço. Sem prejuízo, não se pode negar que o número de pedidos de distratos sofreu drástica redução”, conclui.
CENÁRIO DE PANDEMIA
Apesar do mercado receber positivamente a lei desde a sua publicação, os distratos quebraram algumas empresas. É o que diz o presidente e sócio-fundador do IBRADIM e do VBD Advogados, Olivar Vitale. “A proteção do caixa do empreendimento é fundamental à coletividade.Os distratos caíram? Sim. Mas informações obtidas no último seminário do STJ a respeito do tema, mencionam um número ainda grande de distratos durante a pandemia”, pontua.
Questões como prazo de tolerância, indenização em caso de atraso de obra e, até mesmo percentual de perda em caso de ruptura por inadimplemento do comprador são situações que a lei ajudou a serem menos judicializadas.
“Porém, é importante registrar que essa é a expectativa. Na prática, só os anos dirão se, de fato, a lei reduzirá muito a judicialização do tema.”
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