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Ricardo Montaudon: O turismo deveria ser indicado ao Nobel da Paz
A ADIT Brasil homenageia Ricardo Montaudon, Presidente da AMDETUR (Associação Mexicana de Desenvolvimento Turístico), também Presidente e Diretor Executivo da RCI América Latina.
Os vastos 30 anos de trabalho dedicados por Ricardo Montaudon ao mercado de timeshare no mundo ainda são poucos para medirmos a generosidade que o Presidente tinha ao compartilhar seu conhecimento. Keynote speaker requisitado em palestras e congressos em diversos países pelo mundo afora, as falas de Montaudon marcam a equipe da ADIT. Em entrevista exclusiva para a 6ª edição da nossa revista Panorama, lançada em agosto, ele tornou explícita a paixão que possuía pelo turismo, despedindo-se com a inspiradora frase: “somos todos irmãos de um grande mundo”. Ricardo Montaudon deixou um legado que permanece conosco em suas palavras. A equipe ADIT Brasil o homenageia, mesmo que de forma absolutamente pequena perante seu legado, compartilhando essa conversa inspiradora sobre a indústria de timeshare no mundo.
Para iniciar, fale-nos um pouco a respeito da AMDETUR e de sua história como principal entidade representativa do business do timeshare no México.
Ricardo Montaudon – A AMDETUR nasce em 13 de julho de 1987. Ou seja, está hoje com 31 anos completos e é um organismo que agrupa 90% de todos os desenvolvedores e investidores do setor de tempo compartilhado, de club vacation, no México. Em nível nacional também atuamos desse jeito porque a Secretaria da Economia, onde trabalha o equivalente ao PROCON no Brasil – que aqui se chama Profeco (Procuradoria Federal do Consumidor), também avalia e autoriza os contratos de venda de tempo compartilhado. Sendo uma associação de propriedade de clubes de férias, nossa atuação é importante em destinos de férias. Os óbvios são Cabos, Puerto Vallarta e Cancún, mas também atuamos em Acapulco, Manzanillo, Sinaloa, Mazatlán, Cozumel, Ixtapa, Zihuatanejo e todos os destinos que têm opções de tempo compartilhado. Inclusive alguns destinos que são do interior do país, como Querétaro, Guanajuato e San Miguel de Allende.
Quais são as principais ações educativas que têm feito? Cursos, capacitações, o que vocês mais têm desenvolvido atualmente?
Ricardo Montaudon – Realmente essa é uma das partes mais importantes na atuação da AMDETUR e que, inclusive, queremos compartilhar com a ADIT Brasil, para precisamente fortalecer nossa indústria em toda a região. Principalmente tem a ver com produto do tempo compartilhado, como tem se desenvolvido, como tem evoluído e quais suas características e aspectos. Consiste numa formação sobre tempo compartilhado que a AMDETUR desenvolve. Outra ação muito importante é sobre a parte de vendas e comercialização, que é muito importante em nossa indústria. Como vocês bem sabem, é uma indústria que depende muito da área de vendas e técnicas de mercado. Esses são os dois principais tipos de cursos que temos desenvolvido, e sempre procuramos mais áreas de crescimento e desenvolvimento. Realizamos os cursos em conjunto com uma Universidade aqui no México para termos certificação de educação, e dar-lhes as formalidades e a oficialidade. Os cursos são comandados por profissionais da própria indústria, como executivos de desenvolvimento que têm muito sucesso em crescimento e vendas de tempo compartilhado. São executivos de empresas de intercâmbio como a RCI, Interval e outras, que oferecem os cursos de acordo com os módulos que a AMDETUR vai gerando e programando.
Como você percebe as principais diferenças entre os mercados de tempo compartilhado do México e dos Estados Unidos – que tem um aporte enorme aí, e do Brasil? O que nota de diferenças e características de cada mercado?
Ricardo Montaudon – A principal diferença entre o México e os Estados Unidos vem da origem do tempo compartilhado. Nos EUA, a origem é imobiliária. Lá, originou-se com condomínios de segunda residência de lazer, que na crise dos anos 70 não conseguiam ser vendidos porque o mercado secou, em razão da crise do petróleo. As vendas desses apartamentos de US$ 300 mil a US$ 500 mil estavam estagnadas. Porém foram encontrados pelos desenvolvedores que poderiam vender uma fração desses condomínios por US$ 10 ou US$ 20 mil. É assim que nasce o tempo compartilhado lá nos Estados Unidos. Ou seja, traz o lastro do bem imóvel.
“Começamos a vender ‘direito de uso’ por 30 anos, e não a propriedade.
Com isso, aconteceu que os hotéis – que sempre estavam contra o tempo compartilhado, entenderam que ao vender o tempo compartilhado não
estariam cedendo a propriedade e viram no timeshare uma coisa boa.”
No México, porém, tínhamos uma lei que proibia a um estrangeiro ter uma propriedade num perímetro de 50 km a partir do litoral e 100 km da fronteira. Então a venda do tempo compartilhado de uma segunda casa de férias era muito complicada para o mercado estrangeiro. Para ter uma ideia, hoje 80% das vendas de tempo compartilhado aqui é para o mercado norte americano. Então um Presidente – acho que foi Miguel Alemán, entendeu que precisávamos de investimento estrangeiro para crescer o mercado turístico, e foi feito um trust turístico. Começamos a vender “direito de uso” por 30 anos, e não a propriedade. Com isso, aconteceu que os hotéis – que sempre estavam contra o tempo compartilhado, porque sentiam que era uma competição desleal, entenderam que ao vender o tempo compartilhado eles não estariam cedendo a propriedade e viram no timeshare uma coisa boa. Então, o tempo compartilhado no México se desenvolve como um direito de uso, em outras palavras, uma futura hospedagem paga antecipadamente por um valor financeiro razoável. Quem assume o desenvolvimento e crescimento da indústria aqui são os próprios hoteleiros que estão voltados à hospedagem, experiência e serviços. Desse modo, começamos a ter opções de tempo compartilhado com restaurantes 24 horas full service, bar, lobby bar, discoteca, spa, todo esse tipo de coisa que os originais empreendimentos de timeshare nos EUA não tinham. Lá eles tinham um bom apartamento, de dois ou três quartos, sala de estar, sala de jantar e cozinha completa, já no México era mais voltado a uma integração do hotel. Essa é a grande diferença.
Já na América do Sul, começa-se a adotar o modelo mexicano, porque os empreendedores percebem que podem vender o direito de uso. O consumidor compra e paga o direito da semana do tempo compartilhado por 30 ou 20 anos, sem ter que ceder a propriedade. O que na maioria dos casos é melhor, porque o dono é o primeiro interessado em manter a qualidade. No Brasil, especificamente, começou-se a crescer e vender desse jeito, onde se vende o direito de uso, o clube de férias, mas percebemos que em valores mais econômicos em tempos menores, de 10 a 15 anos. O que temos visto agora – já faz alguns anos que estão sendo desenvolvidos de forma importante, é o que chamam de fractional. Mesmo que o fractional seja um produto nos Estados Unidos e no México de três semanas ou mais – ou 1/10 de ano de uso, também vem acoplados com bastante luxo. São apartamentos de alto luxo e alta experiência. No Brasil, estamos vendo que o fracionado realmente é o tempo compartilhado, mas como propriedade. O brasileiro está comprando um título de propriedade.
É nítido que o mundo atualmente passa por grandes mudanças, inovações tecnológicas que trazem muita coisa nova. Como você vê a aproximação das novas tecnologias afetando o setor de tempo compartilhado?
Ricardo Montaudon – Realmente a tecnologia tem afetado tudo. O primeiro aspecto que vejo é que o consumidor ainda sequer assinou o contrato, e já está mexendo no seu smartphone sobre que tipo de empresa você é. Essa é uma variável muito importante do treinamento. A equipe de vendas realmente tem que ser muito competente, muito transparente e muito bem desenvolvida. Depois disso, a tecnologia ajuda para a continuação do serviço. Não só ajuda, mas é uma obrigação porque o mercado não espera. Nesse novo mercado, precisamos de informação na mão e de forma rápida, imediata. Você pode utilizar a tecnologia para manter o cliente informado do que está acontecendo no seu resort, o que vai te ajudar a fazer ações para que o consumidor ou o associado que comprou o tempo compartilhado o utilize, que conheça quais as promoções do mês, entender como fazer reservas e pagamentos online.
Agora falando de tecnologias como a plataforma Airbnb (serviço on-line de anúncios de reserva de acomodações e meios de hospedagem), creio que são plataformas que chegaram novas e que permanecerão. Não acho que afetem tanto o tempo compartilhado, pois o produto é diferente, visto que você vira associado, você tem uma fidelidade ao produto comprado. Você vai poder viajar de outras formas além do tempo compartilhado, com a hotelaria tradicional e possivelmente com o Airbnb. Mas a fidelidade é muito diferente em relação à compra do timeshare, com a segurança de qualidade e de confiança em geral. Você sabe que vai ter serviço, vai ser bem atendido, terá restaurantes, tudo que você adquiriu no pacote. Mas sem dúvidas são plataformas que temos que observar e pegar o melhor delas.
No México temos brigado para que, se o Airbnb é uma coisa espetacular como tem sido, precisa ser uma competição leal. Se eles estão vendendo hospedagem de turismo, têm também que pagar impostos como todos os demais hoteleiros e desenvolvedores de tempo compartilhado. Precisam cumprir com os requisitos e permissões de salubridade, segurança, etc, como todos os demais hotéis. Assim será correto. Nós não temos medo da competição, temos medo da incompetência. Ou da competição injusta com parâmetros distintos.
Ricardo, você já conhece o mercado turístico há muito tempo. Quais conselhos e orientações você daria aos players brasileiros?
Ricardo Montaudon – O tempo compartilhado no Brasil tem crescido e se desenvolvido de uma forma muito boa. Vejo nos empresários brasileiros uma capacidade – e que me desculpem os meus amigos mexicanos – de sentido de comunidade muito mais forte que no México. Associações como a ADIT, esse aspecto de integração de comunidade dos próprios empresários, tem feito com que a indústria seja boa e forte. Agora, o que acho que deve continuar a evoluir no tempo compartilhado no Brasil, e é algo que o mercado vai exigir automaticamente: flexibilidade no uso, porque é o que o mercado agora quer. E cada vez vai exigir, não somente o apartamento, mas realmente a experiência.
“Afinal de contas, o que nós vendemos são experiências.
Não vendemos tijolos, camas e almofadas, vendemos experiências.”
O Brasil tem resorts com uma experiência muito boa que, inclusive, tenho apresentado em conferências nos Estados Unidos, junto com cases do México, do que é realmente uma experiência de férias. Porque, afinal de contas, é o que nós vendemos. Não vendemos tijolos, camas e almofadas, vendemos experiências. Um excelente exemplo é o Beach Park (Porto das Dunas, Aquiraz – CE), onde a praia é um complemento, mas não é o destino. O destino é o Beach Park. Outro extraordinário exemplo é Rio Quente (Rio Quente – GO), que está no meio de nada, e vemos o grande destino que eles fizeram aproveitando as águas termais, mas que é o parque temático. Esses são exemplos perfeitos do que o consumidor busca: experiências, se divertir, lazer. Existem muitas formas de experiência, como estamos vendo as experiências gourmet, onde você aprende a cozinhar com um chef renomado. Ou experiências de turismo orgânico. Ou turismo de aventura, onde você não busca apenas lazer para o corpo, mas também para a mente, aprendendo coisas educativas ou de aventura. Nesse sentido, o investidor brasileiro tem que procurar esse tipo de coisa. O brasileiro é muito criativo para gerar coisas, mas também pode viajar para diferentes partes do mundo e aprender as coisas que estão acontecendo. O conselho direto é que nós, os desenvolvedores, temos que nos manter na vanguarda, inovar constantemente e estarmos conectados com as inovações que o mercado exige.
Além da atuação na AMDETUR, você também é Presidente e CEO da RCI para a América Latina. Quais são as prioridades da RCI atualmente para a região? No que estão trabalhando e focando?
Ricardo Montaudon – Na região seguimos desenvolvendo – somos fortes no México e falta crescer na América do Sul, os serviços terceirizados de atenção ao associado com a RSS (Resort Services Solutions). Ou seja, eu atendo o serviço dos associados para que os desenvolvedores foquem na venda, desenvolvimento e crescimento. Eu gerencio sua base de associados, faço reservas, faço cobrança, faço atendimento, etc. Essa é uma parte que estamos vendo crescimento. Continuamos crescendo com a parte da RCI de weeks, points e de luxo com o The Registry Collection, que tem se desenvolvido muito no México, também pelos níveis de luxo se construíram principalmente nas zonas de praias.
“O México é o segundo país do mundo em vendas
e desenvolvimento de tempos compartilhados. Quase 25% das vendas
mundiais de tempo compartilhado são vendidas no México.”
No relativo à parte geográfica, nossos mercados mais fortes e mais importantes são México, Brasil, Argentina e Colômbia. Infelizmente a Venezuela foi, em determinado momento um dos mercados mais fortes, hoje pelas razões que todos conhecemos não é mais assim. Mas hoje o México é forte principalmente pelo mercado estrangeiro, já que apenas 20% das vendas no México são para o próprio mercado mexicano. Hoje o Brasil vende tanto para brasileiros quanto o México vende para os mexicanos. Então, para o mercado local o Brasil é tão ou mais importante que o México. O México decola em razão dos 75% a 80% que são vendas para o mercado norte americano. É o segundo país do mundo em vendas e desenvolvimento de tempos compartilhados. Para ter uma ideia, a nível mundial, temos cerca de US$ 20 bilhões de dólares de vendas por ano em tempos compartilhados. Desse total, US$ 9 bi são vendidos nos Estados Unidos e mais US$ 4,5 bi no México. Ou seja, quase 25% das vendas mundiais de tempo compartilhado são vendidas no México.
Para finalizar, queremos agradecer pela entrevista e te deixar um espaço para uma mensagem ao mercado brasileiro de timeshare.
Ricardo Montaudon – Eu deixo uma calorosa, feliz e emocionante mensagem para toda a indústria do turismo de tempo compartilhado da região. Acredito que a América Latina, principalmente com países como o México e Brasil, tem muito a fazer, crescer e desenvolver. No México temos uma indústria muito avançada turisticamente por razões geográficas óbvias de mercado, mas Brasil tem uma grande oportunidade para que o turismo, que inclui o timeshare e fractional, vire uma força econômica ainda mais importante. Além de ser uma indústria que gera empregos e benefícios sociais quando você investe, porque gera muito emprego, gera intercâmbio cultural, gera conhecimento das pessoas.
“Eu deixo uma calorosa, feliz e emocionante mensagem para toda a indústria do turismo de tempo compartilhado da região. Acredito que a América Latina, principalmente com países como o México e Brasil, tem muito a fazer, crescer e desenvolver.”
Eu sempre tenho falado que o turismo deveria ser indicado para o Prêmio Nobel da Paz. Com o turismo a gente viaja e conhece diferentes culturas, diferentes pessoas, e nos damos conta de que todos somos seres humanos iguais. Somos irmãos de um grande mundo. O turismo nos ajuda a entender isso. Então, a mensagem que eu mando é que estamos numa indústria espetacular, fantástica e divertida, que além de vender turismo, sonhos e aventuras, estamos gerando desenvolvimento imobiliário. Que gera empregos, serviços e bem-estar. Essa é a mensagem que deixo a vocês todos, no México, no Brasil, América Latina e no mundo inteiro.
Entrevista presente na 6ª edição da Revista Panorama ADIT
Ricardo Montaudon era o atual Presidente e CEO da RCI América Latina e Caribe, também era Presidente da AMDETUR (Associação Mexicana de Desenvolvimento Turístico). Já foi Diretor da RCI Brasil, Presidente da mesma empresa na região Ásia-Pacífico. Montaudon também era membro do Conselho Consultivo da CNET (Conselho Nacional Empresarial Turístico) – a maior cúpula de turismo do México, e membro da ARDA (American Resort Development Association) – maior associação do timeshare no mundo.
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