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Reforma tributária: o que muda para negócios imobiliários e hoteleiros

Especialistas explicam vantagens e desafios para os diferentes empreendimentos dos setores
No dia 16 de janeiro, foi sancionada a lei complementar que regulamenta a reforma tributária, e tem como principal objetivo unificar impostos sobre consumo, criando um modelo que promete ser mais eficiente e transparente de tributação.
O texto da Emenda Constitucional nº 132, aprovada inicialmente em 2023, tem o objetivo de simplificar o sistema brasileiro com o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), conceito amplamente utilizado em outros países.
O projeto será implementado em um formato dual, composto por dois tributos, o CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), cada um com suas alíquotas e fases de implementação já previstas.
Além disso, será estabelecido ainda o Imposto Seletivo (IS) conhecido como “imposto do pecado”. Ele substituirá parte do IPI, incidindo sobre produtos que sejam danosos ao meio ambiente e/ou à saúde, como cigarros e bebidas alcoólicas.
Assim, a mudança deverá ficar da seguinte forma:
CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços)
Substituirá o PIS, Cofins e IPI, sendo de competência federal.
- Alíquota padrão: 8,8%.
- Implementação: gradual, de 2026 a 2033 (0,9% por ano).
IBS (Imposto sobre Bens e Serviços)
Substituirá o ICMS e ISS, abrangendo os âmbitos estadual e municipal.
- Alíquota padrão: 17,7%.
- Implementação: gradual, de 2026 a 2033.
IS (Imposto Seletivo)
- Alíquota padrão: entre 24,5% e 25%.
- Implementação: gradual, de 2027 a 2033.
Alíquota modal e regimes de tributação
Dessa forma, considerando os números oficiais aprovados até agora, o IVA brasileiro terá uma alíquota recorde de 26,5%, uma das maiores do mundo, ultrapassando Dinamarca, Noruega e Suécia, todas com 25%, e ficando atrás apenas da Hungria, que registra atualmente IVA de 27%.
Por outro lado, existirão ainda quatro regimes de tributação, aplicados para diferentes serviços e bens, modificando o valor da alíquota base, como benefício fiscal. É nesse ponto que negócios imobiliários e da hotelaria devem estar atentos para entender como ficarão suas taxas de contribuição e tributação para os variados cenários.
No regime geral, serão aplicadas as cotas já previstas, para o CBS e IBS, 8,8% e 17,7%, respectivamente, sem alterações. No regime diferenciado serão enquadrados serviços considerados essenciais, como saúde, educação e setor agropecuário, com redução de 60% da alíquota geral.

O terceiro regime, chamado de regime favorecido, entra para beneficiar a nova categoria de nanoempreendedores — profissionais autônomos que possuem renda mensal reduzida —, aderentes ao MEI e Simples Nacional, além da Zona Franca de Manaus.
Por último, o regime específico engloba operações com o Poder Público, serviços financeiros e tão logo operações com bens imóveis. Portanto, é deste quarto regime que os empreendedores do setor imobiliário e hoteleiro fazem parte.
Segundo a advogada tributarista Isabella Tralli, sócia do escritório VBD Advogados, no mundo inteiro é comum que o setor imobiliário faça parte de um regime específico do IVA, o qual serve para regular a tributação, sem causar grandes aumentos para o segmento após a reforma.

“Em todos os países que tiveram implementação de Imposto sobre Valor Agregado, os setores imobiliários especialmente, tiveram tratamentos específicos. Isso porque, apesar dos redutores de alíquota implementados, não há redução de carga tributária. Os redutores de alíquota conseguidos na reforma são para que haja a manutenção da carga tributária do setor”, conta a advogada.
“Quando a gente está falando em bens imóveis, são bens que não se consomem, e aqui [na reforma tributária] estamos vendo bens de consumo. Então, é diferente de falar que eu compro e consumo uma água. Mas um imóvel, um terreno, em quanto tempo eu consumo esse bem?”, elucida Isabella.
Redutores de alíquota para operações com bens imóveis
Com os redutores de alíquota, no regime específico, atividades como alienação, serviços de administração e intermediação, e os serviços de construção civil terão diminuição de 50% do valor total. Para as atividades de locação, cessão onerosa e arrendamento o redutor será de 70%.
O setor de hotelaria também se enquadra no regime específico, com redutor de alíquota de 40%. Os imóveis locados por período inferior a 90 dias, incluindo aqueles disponibilizados por plataformas de short stay, também estarão sujeitos a este regime e, portanto, receberão a mesma tributação dos bens imóveis relacionados ao turismo.

Para os imóveis residenciais, foram adquiridos ainda os redutores sociais aplicados à base de cálculo — e não à alíquota. Dito isso, a alienação de imóvel residencial novo — incluindo incorporação — terá redutor social no valor de R$100 mil e lote residencial ganha redução de R$ 30 mil.
Segundo Isabella, locação terá redução de R$ 600 por imóvel, no entanto, as entidades estão buscando, via Projeto de Lei Complementar 108/24, um ajuste na redação da lei para que o redutor seja mensal, uma vez que o aluguel incide mensalmente.
Com essa nova forma de tributação e separação por regimes, o empreendedor deverá apurar o redutor de alíquota e o redutor social, em caso de ser contemplado, para entender qual será o valor do tributo a ser pago.
Regime de reconhecimento de receitas
A advogada também explica que o reconhecimento de receitas, tido como parâmetro para a tributação e momento do pagamento, deverá ser o regime de caixa, tendo em vista evitar possíveis prejuízos para o empreendedor, em substituição ao regime de competência — que reconhecia a receita no momento em que ela era obtida em contrato.
“Na locação, se você tivesse um inquilino inadimplente, você teria que continuar pagando IBS e CBS, independentemente de se você recebeu o valor da locação. Porque em regime de competência, tem que considerar a data do contrato para tributar aquela receita que você sequer recebeu”, exemplifica.

O regime de caixa será aplicado para todas as operações, como alienação, locação, cessão onerosa, arrendamento de imóvel e serviço de administração e intermediação. Fica no regime de competência apenas a construção civil.
“Então para essas atividades, você só vai oferecer para tributação aquela receita no momento em que ela efetivamente ingressar no seu patrimônio. Não vai ter tributação de receita sem você tê-la recebido”, diz Isabella.
Desafios e perspectivas da reforma
Embora a reforma tributária fosse uma pauta aguardada e já prevista para acontecer há muitos anos, advogados especialistas identificam uma série de desafios que os empreendedores precisarão superar.
Para Isabella, o primeiro deles é justamente a adaptação ao IVA dual, seguida da dependência da regulamentação, transição entre os dois sistemas de apuração e o sistema de gestão ao qual os empreendedores deverão se ater para garantir a conformidade com a legislação e as mudanças vigentes.
Rachel Barcelos, sócia do escritório Barcelos Fonseca Sociedade de Advogados, com atuação em direito urbanístico e imobiliário, acredita que a complexidade das regras poderá dificultar os cálculos para o setor — resultado inverso do esperado e prometido com a reforma.

“Seria uma conta simples se a cadeia produtiva imobiliária não fosse tão longa e o parcelamento também, especialmente em loteamentos. As empresas terão que se adequar com estruturas contábeis e operacionais mais eficientes e profissionais muito competentes.”
A advogada lamenta ainda que o Regime Especial de Tributação não foi objeto de regulamentação nessa reforma para o setor de loteamentos, mesmo com o empenho das entidades representativas junto aos legisladores.
“Considerando a projeção de algumas entidades do setor de loteamentos com o que poderia se creditar da cadeia de insumos, sem considerar que, possivelmente, os insumos terão seus preços impactados pela reforma, se espera um efetivo aumento tributário”, enfatiza Rachel.
No caso da hotelaria, Paulo Mendonça, advogado de negócios imobiliários e sócio do escritório Marrey Mendonça Advogados, explica que a carga tributária para o setor depende de fatores como sujeição ao Simples Nacional e a forma de utilização de créditos de IBS e de CBS, que devem antes ser regulamentados.

“Ainda não é possível definir com toda certeza se haverá manutenção ou redução da carga tributária para as atividades de hotelaria e de locações de curta temporada, dado que a regulamentação da reforma ainda está em curso e o regime a ser aplicado depende de uma série de fatores a serem definidos de forma individualizada para cada operador”, afirma.
Os serviços de hotelaria, parques de diversão e parques temáticos ficarão sujeitos a regime específico de incidência do IBS e da CBS. O advogado cita também que a tributação das unidades imobiliárias operadas em regime de propriedade compartilhada dependerá da forma de ocupação.
“Em caso de operação como meio de hospedagem, serão aplicadas as regras para a tributação da hotelaria. Em caso de operação da multipropriedade como locação de curta ou longa temporada, serão aplicadas as regras para a tributação das locações, cessões onerosas e arrendamento”, comenta Paulo.
Outras observações sobre loteamento, crédito tributário e vetos
O texto da Reforma Tributária propõe que os empreendedores possam ganhar créditos a partir dos tributos pagos nas aquisições de bens e serviços, que serão usados posteriormente para compensar os tributos devidos na receita, como forma de incentivar a produção e competitividade.
“Certamente, haverá créditos tributários no início da cadeia produtiva, que dependerão de ressarcimento pelo Governo, o que devemos acreditar que o sistema eletrônico a ser implementado será capaz de executar com a transparência prometida”, pontua Barcelos.
Outra observação feita pela advogada é que os loteamentos terão a possibilidade de aderir ao formato antigo do cálculo da alíquota, desde que registrados até o final de 2028. Para o processo de transição, a medida é vista como boa notícia.

“Os loteamentos registrados até 31 de dezembro de 2028 poderão optar pelo sistema anterior ‘cumulativo’, em que a alíquota será aplicada no valor bruto da parcela recebida, como é atualmente. E para todas as parcelas daquele loteamento, independentemente de quando forem recebidas”, ressalta.
Ademais, o texto teve 17 vetos presidenciais. Um dos principais foi o artigo 26, que previa isenção de CBS e IBS para fundos de investimentos imobiliários (FIIs). Entretanto, as entidades representativas ainda buscam a derrubada do veto.
A reforma tributária representa uma mudança significativa para empresas, governos e consumidores. Apesar da transição gradual até 2033, o planejamento desde já é essencial para adaptação ao novo modelo.
- Por Maíra Sobral – Coordenadora de conteúdo na ADIT Brasil
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