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Quais as perspectivas para as smart cities no Brasil
Especialistas enfatizam que cidades inteligentes vão além da questão tecnológica e abordam muito mais qualidade de vida e sustentabilidade
As smart cities, ou cidades inteligentes, são comunidades urbanas que utilizam tecnologias avançadas para melhorar a qualidade de vida, aumentar a eficiência dos serviços e promover o desenvolvimento sustentável. O conceito deve solucionar alguns dos grandes problemas urbanos e por isso já tem atraído o olhar dos investidores no mundo inteiro.
No Brasil, recentemente, a proptech italiana Planet Smart City aportou R$ 110 milhões para criar uma cidade inteligente no Ceará, a Smart City Praia Bela. O projeto prossegue os empreendimentos Smart Cities Laguna e Aquiraz, também no Ceará, e Smart City Natal, no Rio Grande do Norte.
Entretanto, segundo especialistas, o país ainda enfrenta obstáculos burocráticos, uma legislação urbana desatualizada e a falta de estímulos adequados para práticas sustentáveis. Flávio Guerra, CEO e sócio da Construir Loteamentos, explica como isso impacta no desenvolvimento de projetos desse tipo.
“Há uma menor tradição de planejamento urbano integrado, e a fragmentação das iniciativas entre governo, setor privado e sociedade civil contribui para o atraso em relação aos projetos europeus, que são caracterizados pela colaboração entre diferentes setores e pelo planejamento a longo prazo, além da implantação de tecnologias”, diz Guerra.
Para ele, é essencial que exista um alinhamento entre as diferentes esferas de organizações para que o formato de smart cities realmente ganhe tração no Brasil, e possa então oferecer soluções para problemas públicos já existentes.
“As parcerias público-privadas (PPPs) podem difundir a implementação das smart cities no país. Isso porque esse modelo une o melhor dos dois mundos. De um lado, o setor privado contribui com o conhecimento técnico, a expertise, tecnologia além da agilidade e da inovação. As soluções estão disponíveis. Precisamos aproveitá-las”, afirma o empresário.
Cidades inteligentes não são só tecnologia
Além disso, o entendimento do conceito de smart city também aparece como uma questão a ser resolvida. Isso porque, segundo Carlos Marchi, Partner da Allower Urban Data Science, cidades inteligentes exigem a incorporação de aspectos humanos e ambientais, como vem sendo feito na Áustria, Alemanha e na Holanda, entre outros países.
“Há uma promoção de que, para ser inteligente, uma cidade precisa ter inúmeros dispositivos, sensores e robôs. No entanto, as experiências mundiais, principalmente nos Estados Unidos, China e no Oriente Médio demonstram que a simples implementação de hardwares não garante por si só que uma centralidade urbana se torne ‘inteligente’”, comenta Marchi.
O executivo da Allower também defende o potencial brasileiro e a necessidade de escapar de burocracias que engessam e de “tech-washes” — termo atrelado aos aspectos tecnológicos (tecnicistas) — que achatam esse modelo de cidades.
“Não existem cidades inteligentes com robôs e sem o comprometimento efetivo das pessoas que moram, trabalham e circulam pelos lugares. Não existem cidades inteligentes com sensores, mas sem um ambiente saudável e próspero. No Brasil, essa mudança estrutural de mindset ainda é um dos grandes obstáculos para a implementação de cidades espertas, ou melhor, inteligentes”, ressalta Marchi.
Cases de smart cities já visitados
Os projetos de smart cities já conhecidos são essencialmente desenvolvidos para as pessoas e de forma sustentável. A Europa é um exemplo notável nesse aspecto. Guerra cita alguns exemplos visitados durante a Missão Técnica na Europa, realizada pela ADIT Brasil, em junho deste ano.
“Projetos como o da Donau City, em Viena, Áustria, demonstram o uso inteligente de tecnologias sustentáveis, como sistemas eficientes de aquecimento e resfriamento, telhados verdes com painéis solares. Com quase 50% da cidade composta por áreas verdes e corpos d’água, Viena é um exemplo de como integrar natureza e urbanização de forma harmoniosa”, elucida.
O empresário também revela como Zurique, na Suíça, se destaca pelo compromisso com a eficiência energética, Guerra fala do projeto de Hunziker Areal, que adota o conceito de “sociedade de 2 mil watts”, buscando limitar o consumo médio de energia por pessoa a 2 mil watts por dia.
“Este bairro planejado oferece não só moradias, mas também espaços comerciais e comunitários, todos focados na redução da pegada de carbono. O projeto Europaallee, semelhante à Estação de Utrecht, revitalizou a área ao redor da principal estação ferroviária da cidade, criando ‘comunidades’ com espaços de uso misto que integram residências, escritórios e áreas de lazer”, conta Guerra.
Tecnologias e práticas em destaque
Carlos Marchi diz que para integrar tecnologias físicas e virtuais nos desenvolvimentos urbanos “inteligentes” no Brasil, uma abordagem fundamental é o uso de ferramentas digitais que apoiem a tomada de decisões estratégicas antes, durante e após a implementação dessas cidades.
“A captura de dados via satélite e servidores globais, com informações quase em tempo real, proporciona uma compreensão aprofundada das complexas dinâmicas urbanas e revela condições latentes anteriormente desconhecidas”, frisa.
“A combinação de dados planetários (hyper-data) e dados locais (sensores urbanos) permite simular cenários futuros por meio de Inteligência Artificial e Machine Learning, ajudando a mitigar riscos urbanos, como alagamentos e excesso de veículos, e a identificar novas oportunidades de crescimento urbano”, complementa Marchi.
Além disso, ele explica como determinadas abordagens não só melhoram a eficiência e a sustentabilidade, mas também fortalecem a participação cidadã, transformando dados em ações concretas para aprimorar a qualidade de vida nas cidades inteligentes.
“Práticas como o uso de Gêmeos Digitais, adotadas por cidades como Seestadt Smart City em Viena, na Áustria, são essenciais. Esses gêmeos criam réplicas virtuais da infraestrutura urbana, permitindo monitoramento em tempo real, otimização do planejamento, gestão de recursos, e resposta a emergências”, enfatiza.
O que esperar do futuro com as cidades inteligentes
Os especialistas acreditam que o mercado brasileiro deverá ter um aumento na adoção de soluções urbanas inteligentes, impulsionados pela demanda por sustentabilidade e qualidade de vida — o que por consequência ainda influenciará na valorização imobiliária.
Segundo Marchi, imóveis em regiões com segurança reforçada por monitoramento virtual, por exemplo, e serviços urbanos personalizados por demandas específicas tornam-se mais atraentes para compradores e investidores, elevando seus valores.
“As soluções de cidades inteligentes tendem a aumentar a valorização de imóveis e a demanda por propriedades em áreas que adotam tecnologias integradas, como infraestrutura eficiente para pedestres, conectividade aprimorada em espaços públicos e práticas sustentáveis”, aposta o executivo.
Já Guerra, afirma que as pessoas estão em busca de mais praticidade no dia a dia, e esse desejo reflete na valorização de hábitos e detalhes como morar perto do trabalho, sair de casa a pé ou de bicicleta e visitar outras regiões da cidade apenas quando quiserem.
“A tendência mais urgente é a socioambiental: bairros e cidades sustentáveis. As pessoas não querem mais precisar sair de seus bairros ou cidades para ter contato com a natureza. Praças e parques bem urbanizados são cada vez mais valorizados”, fala.
Nessa mesma lógica, os empreendimentos mais valorizados deverão ser os que oferecem acesso a serviços essenciais e que preservam as áreas verdes locais, utilizam materiais reciclados na construção, possuem alamedas arborizadas, iluminação em LED, reutilização de água da chuva, pavimentação com um sistema de drenagem eficiente, entre outros.
“Com as novas tecnologias e conectividade, os centros urbanos tendem a se transformar em cidades inteligentes no médio prazo, com planejamento urbano voltado para o bem-estar, uso de energias limpas, 5G e internet das coisas (IoT) em pleno funcionamento, e cada vez mais o conceito de centralidade, que exija menos deslocamento entre casa e trabalho”, reforça Guerra.
No entanto, Para Marchi, o ritmo de implementação deverá variar, com as principais regiões metropolitanas avançando mais rapidamente, enquanto áreas menos desenvolvidas deverão passar por desafios nas mudanças regulatórias e culturais.
- Por Maíra Sobral – Analista de conteúdo na ADIT Brasil
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