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O mercado financeiro não tira férias
MERCADOS PROMISSORES
Não há manual pronto na prateleira para quem se propõe a batalhar por investidores para negócios ainda pouco comuns, especialmente em uma economia bastante apegada a padrões de negócios tradicionais. Para além do convencional nos mercados imobiliário e turístico, os empreendedores desses setores passam a descobrir dois pujantes produtos da indústria de férias compartilhadas: o timeshare e a multipropriedade. Enquanto o primeiro trabalha com contratos que garantem o uso de diárias em hotéis e resorts; o outro se refere à venda de uma propriedade em frações. Essa modalidade prevê que o comprador seja um dos proprietários do imóvel, com o direito de uso real, podendo utilizá-lo determinadas vezes ao ano. Ambos os sistemas possuem características e atrativos que se adequam a cada tipo de empreendimento.
FRAÇÕES EM ALTA
Diferente do sistema tradicional de incorporação, amplamente difundida no país, o fracionado chegava por aqui trazendo uma novidade: o conceito de compartilhamento. Inserida na economia colaborativa, a multipropriedade é uma opção inteligente de adquirir um imóvel por valores mais atraentes.
Vale ressaltar que sem o arrojo e a atitude dos desbravadores que se propuseram a explorar o mercado de propriedade compartilhada no Brasil, provavelmente não assistiríamos ao desempenho invejável do setor, que apesar do atual cenário econômico adverso, cresce em ritmo acelerado. A projeção é de aumento de 48% no número dos empreendimentos fracionados no comparativo entre 2017 e 2018. Estima-se ainda que 16.429 apartamentos sejam entregues nos próximos cinco anos. Os dados estão disponíveis na pesquisa desenvolvida pela Caio Calfat Real Estate Consulting.
No início, lembram os executivos responsáveis por abrirem as portas do segmento em território brasileiro, o trabalho consistiu em idas frequentes ao coração do centro comercial e financeiro da América Latina, São Paulo, dispondo somente de frações de tempo dos grandes players, para apresentarem o modelo de negócio que viria a figurar entre os mais promissores no país. Acrescentem-se também incontáveis rodadas de negociações e reuniões quase sempre tomadas por certa desconfiança. “O mercado financeiro é muito conservador”, diz Ênio Almeida, Diretor Executivo da W Palmerston Holding e CEO da WPA Gestão Inovadora. “Todo mundo quer pôr o seu dinheiro em um lugar seguro e [a multipropriedade] era um de tipo incorporação nova”.
Assim como o executivo da WPA, o líder da área de Structured Finance da XP Investimentos, Vinícius Senger, concorda que o modelo fracionado exigiu um movimento preliminar de educação, com o propósito de esclarecer sua estrutura e, claro, sem esquecer todo o seu potencial. “Nós tivemos um processo longo de education com os investidores que entraram junto conosco, visando mostrar que se tratava de um bom produto e de um investimento seguro”, diz Vinícius.
Nada adianta ter um produto bacana, mas de valor muito elevado, sem ter a penetração dos compradores. O que resultaria numa velocidade de venda baixa, inviabilizando o projeto.
Ênio Almeida, W Palmerston Holding
Do mesmo modo, o mercado financeiro impôs aspectos de governança que requisitavam atenção redobrada, afinal, os empreendimentos fracionados demandam um planejamento diferenciado.
No que diz respeito à governança, o CEO da Hectare Capital, Marcus Castro, observa que há empreendedores dispostos a entrar no setor, atraídos pela possibilidade de bons retornos financeiros, porém, sem apresentar o preparo profissional e/ou organizacional necessário para a gestão do projeto. Essas limitações, exemplifica Marcus, “englobam a falta de preparação de viabilidades, pesquisas de mercado, parcerias estratégicas alinhadas com os riscos do projeto, área de lazer coerente com o período vigente da cota vendida, gestão hoteleira diferenciada direcionada ao público específico, entre outros”.
Segundo ele, para driblar o pouco histórico de financiamento via mercado financeiro no segmento de multipropriedade, a Hectare Capital, que assessora investimentos com expertise em ativos imobiliários, tem buscado investidores profissionais. Tais players são conhecidos pela estrutura de gestão focada em todas as etapas do projeto, possibilitando assumir um perfil mais arrojado no momento de investir. “Do ponto de vista do incorporador, é indispensável mostrar solidez e compromisso de entrega do produto final, contribuindo para consolidação do setor”, diz Marcus.
Ênio Almeida conta também a sua experiência no aspecto da governança, destacando que casar os pilares “produto, preço e praça” teve um papel determinante. “No tocante ao produto, foi importante desenvolver um projeto adequado ao consumidor, dando a garantia de uma casa de férias com todos seus benefícios”, diz o executivo. Tornar o produto compatível com o mercado brasileiro demandou uma série de mudanças internas.
Ele lembra a experiência na cidade de Caldas Novas, em Goiás, onde construíram 5 mil apartamentos integrais, de incorporação tradicional, e depois viraram a chave para a propriedade fracionada. Naquele momento, concluir que não funcionariam para o público do fracionado os mesmos projetos de flat do modelo anterior foi crucial. A solução veio a partir do preço mais competitivo, possível através de um produto enxuto, mas que continuasse a satisfazer toda família.
Já o segundo pilar, preço, seria definido de acordo com o público. “Nada adianta ter um produto bacana, mas de valor muito elevado, sem ter a penetração dos compradores. O que resultaria numa velocidade de venda baixa, inviabilizando o projeto”. A praça, por sua vez, refere-se à localização dos empreendimentos. “Por se tratar de um mercado de nicho, funciona bem em regiões turísticas”.
Além do volume já emitido, existe apetite para mais R$ 1 bilhão.
Juliana Mello, Fortesec
O casamento entre produto, preço e praça deu certo. Hoje, o grupo – um dos pioneiros no setor fracionado no Brasil – conta com mais de R$ 350 milhões captados do mercado financeiro. Todos os recursos locados e destinados a novas obras. Para tanto, diz Ênio, foi necessária uma governança eficiente da carteira.
Não à toa, Vinícius, da corretora de valores XP Investimentos, firmou parcerias com players que efetivamente executam um trabalho de destaque no país, a exemplo da própria WAM Brasil. “A grande preocupação, hoje em dia, é encontrar investidores que possuam robustez e tamanho para acessar o mercado de capitais. Pois, ainda são raros”. Ele observa que a evolução do mercado de capitais tem, como ponto de partida, operações mais arriscadas, realizadas por playerscom esse apetite. A tendência, diz Vinícius, é que baseado no crescimento das operações bem-sucedidas, o segmento poderá receber investidores menos exigentes de retorno.
Buscando viabilizar operações seguras e transmitir a confiança que o investidor precisa, Juliana Mello – Diretora e sócia da securitizadora ForteSec – aposta numa gestão eficiente e sempre próxima ao empreendedor. Não à toa, a Fortesec – conhecida pelo know-how no financiamento das obras de empreendimentos fracionados – já emitiu quase R$ 600 milhões em operação no setor, que somam mais de 48.000 cotas, divididas em 7 diferentes empreendimentos. “Além do volume já emitido, existe apetite para mais R$ 1 bilhão”, prevê a Diretora.
Antônio Ires, diretor da Incorpore Soluções, comenta o papel das securitizadoras para tornar o mercado financeiro mais receptivo nesse modelo de negócio. “O mercado está vendo que as empresas estão melhorando as suas estruturas de pós-venda, cobrança, retenção de clientes, inadimplência; além de que o modelo é rentável para o incorporador, pois tem uma margem relativamente alta de retorno”, diz Antônio, que na Incorpore, esteve à frente da parte organizacional do Resort do Lago, em Caldas Novas (GO). “A partir da ADIT e dos seus eventos, que contam com a presença de muitas operadoras financeiras, certamente veremos cada vez mais operações no mercado de securitização para empreendimentos fracionados”.
Nesse cenário, a regulamentação jurídica e o projeto de lei que visa assegurar que os projetos lançados no mercado contem com a segurança jurídica para minimizar os riscos futuros, não podem passar despercebidos. “Eu acho que dá mais segurança na medida em que traz mais clareza em alguns pontos que hoje a legislação não é clara. O que não significa que a lei atual seja ruim. Dá pra fazer, tanto que é feito”, diz o advogado Marcelo Terra, referência em direito imobiliário em todo o país. Isto é, mesmo que a questão seja capaz de garantir mais credibilidade para o mercado de multipropriedade, junto a investidores e clientes, ela não se apresenta como um impasse para o mercado financeiro.
Os especialistas consultados são unânimes na avaliação do modelo fracionado como tendência do setor imobiliário para os próximos anos. “A gente traçou um paralelo de como estava sendo feito no mercado fracionado americano e europeu, com o que víamos no Brasil. E verificamos que aqui, de fato, nós tínhamos um bom espaço. Em termos de evolução, mesmo em anos de crise, o setor apresentou um crescimento expressivo”, pontua Vinícius. Sem dúvida, foi uma boa aposta.
A HORA E A VEZ DO TIMESHARE
Mais antigo no Brasil que a multipropriedade, o modelo de férias compartilhadas – timeshare – é ainda mais conhecido e sólido do que o fracionado. A RCI Brasil foi uma das empresas que traçaram o novo capítulo dessa história. “Mantivemos o compromisso e a preocupação de promover e/ou participar ativamente de fóruns, eventos e treinamentos com o objetivo de disseminar conhecimento, informações e assim contribuir para o desenvolvimento da indústria da propriedade compartilhada”, diz Fabiana Leite, líder no Brasil das operações da RCI – empresa que administra o intercâmbio de empreendimentos com esse perfil no Brasil, onde tem uma rede de 227 afiliados.
Um possível termômetro da evolução do setor e abrangência do negócio é a presença de grandes players do mercado. “Por exemplo, o Rio Quente Vacation Club, Beach Park Vacation Club, diRoma Vacation Club, Enotel Vacation Club entre outros”, cita.
Os números também confirmam sua avaliação. Segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o mercado brasileiro, no tocante ao timeshare, tem 195,6 mil clientes ativos, o que mostra o tamanho do setor. Por sua vez, a RCI apresentou em 2017 aumento de 27% na entrada de novos sócios em relação ao ano anterior. “E 2018 sinaliza uma continuidade de crescimento com expectativas muito positivas”, diz Fabiana.
Nosso compromisso é promover e participar de eventos e treinamentos, disseminando o conhecimento sobre a indústria da propriedade compartilhada.
Fabiana Leite, RCI Brasil
O impacto é ainda maior ao analisar os resultados do timeshare no mundo. Só nos Estados Unidos, que atualmente dominam esse mercado, são 1.570 resorts, 9,5 milhões de clientes e o expressivo volume de vendas de US$ 9,6 bilhões. O Brasil vem logo atrás do México, que ocupa a segunda posição. Logo, não restam dúvidas de que o segmento de férias compartilhadas já conquistou o status de mais promissor da indústria hoteleira.
Fabiana menciona os principais atrativos do timeshare, capazes não só de conquistar investimentos dos grandes players, como também a preferência dos consumidores. ”Do ponto de vista do empreendedor, podemos dizer que são muitas as vantagens, como por exemplo: a fidelização dos clientes, um novo canal de distribuição, a antecipação do fluxo de caixa com venda de diárias antecipadas, a redução da ociosidade do hotel e a garantia de ocupação futura. Enquanto para o comprador, temos a garantia do valor das próximas férias, a isenção de aumento das tarifas hoteleiras, o uso da semana adquirida ou doação dessa semana a familiares e amigos, e a possibilidade de conhecer diversos destinos”. Com tantas cartas na manga, ficou fácil superar a barreira do patrimonialismo tão característico dos brasileiros.
A segurança jurídica também deu mais conforto aos investidores. Com a inserção do tempo compartilhado na Lei Geral do Turismo, sancionada em dezembro de 2010, foi possível estabelecer diretrizes mais claras, que contribuíram para o desenvolvimento do mercado.
NOVOS TEMPOS, NOVOS DESAFIOS
Mas, o que fazer diante das plataformas digitais? A exemplo do Airbnb (serviço on-line para as pessoas anunciarem e reservarem acomodações e meios de hospedagem), que promete um espaço para as férias sem contratos de médio ou longo prazo e por um custo atrativo? “Entregar mais experiência”, diz Flávio Arbex, diretor da Oito Management. “Traduzindo, o proprietário de um hotel localizado numa praia isolada e com poucos quartos, que queria fazer um programa de timeshare sozinho, terá benefícios limitados. Ele, provavelmente, não terá conexão com empresas de troca de pontuação”.
Outro ponto, segundo ele, é a tendência do mixed-use. Isto é, o uso da propriedade com diversos fins (comerciais, entretenimento, etc.), entregando para o cliente uma experiência mais completa e, atrelado a isso, garante ao empresário uma multiplicação das fontes de receita.
O sistema de pontos facilita a gestão e dá grande poder de decisão ao consumidor. Um formato que se assemelha muito ao praticado pelas companhias aéreas.
Flávio Arbex, Oito Management
Para Flávio, esse foi o pulo do gato do setor no Brasil. “O Rio Quente e Beach Park, por exemplo, mudaram um pouco o modelo de timeshare ligado à venda da fração de tempo. Eles continuam com esse foco, mas também vendem uma quantidade de pontos. Isso não só facilita a gestão do empreendedor, como dá grande poder de decisão sobre a maneira que o consumidor usará os seus pontos. Um formato que se assemelha muito ao praticado pelas companhias aéreas”.
É através desse intercâmbio que a RCI proporciona a troca de semanas em diversos destinos aos sócios que adquirem um contrato nos empreendimentos afiliados. ”Importante pontuar que hoje o Brasil vende mais programas de propriedade compartilhada para brasileiros, do que o México vende para os mexicanos”, diz Fabiana Leite.
“Nós acreditamos que esse ano o mercado continuará apresentando índices muito positivos e seguindo o ritmo de crescimento dos últimos anos. E conforme dito anteriormente, ressaltamos que o público interessado em propriedade compartilhada vem se expandindo e, hoje, compreende tanto o mercado hoteleiro, como também desenvolvedores turísticos, incorporadoras e construtoras”, avalia a Diretora da RCI Brasil.
Na contramão da retração econômica e incerteza política dos últimos anos, os bons índices de expansão do segmento mostram que os investidores dispõem de produtos com força suficiente para desenvolverem o setor imobiliário frente à crise.
* A reportagem “O mercado financeiro não tira férias” de Francisco Ribeiro foi inicialmente publicada na 6ª edição da Revista Panorama ADIT, disponível nas versões impressa e digital (http://bit.ly/PanoramaADIT)
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