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Novas regras de financiamento da Caixa Econômica Federal devem impactar viabilidade do mercado imobiliário
Especialistas acreditam que alternativas de funding precisam ganhar espaço para reduzir dependência da poupança
As novas condições de financiamento imobiliário da Caixa Econômica Federal, que entraram em vigor no início de novembro de 2024, trouxeram mudanças significativas ao mercado. As mudanças abarcam as modalidades TR (Taxa Referencial), Poupança, IPCA e Taxa Fixa, para imóvel usado ou novo, imóvel comercial, construção individual e lote urbanizado.
Com limitações no valor dos imóveis financiados, redução das cotas de financiamento e novas restrições a múltiplos contratos ativos, a atualização das regras busca ajustar o crédito habitacional a um cenário de desafios econômicos e esgotamento da poupança.
Conforme destacado pela própria Caixa, a carteira de crédito habitacional alcançou a marca de R$783 bilhões em junho de 2024, consolidando o banco como o maior financiador da casa própria no país, com 68% do mercado.
“Considerando a demanda observada e o orçamento para crédito habitacional aprovado para o ano de 2024, com o crescimento da nossa carteira, prevemos que a mesma irá superar o limite máximo projetado para o período”, diz a Caixa em nota para a ADIT Brasil.
“No 1º semestre de 2024, o banco concedeu R$112,6 bilhões de crédito imobiliário, o que representa um aumento de 31,7% em relação ao mesmo período de 2023. Foram mais de 406 mil financiamentos de imóveis, beneficiando cerca de 1,6 milhão de brasileiros.”
Caixa Econômica Federal em nota para a ADIT Brasil
As contratações foram realizadas com recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), que somou mais de R$ 39,8 bilhões de operações, e com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que teve R$ 72,8 bilhões de contratações acumuladas até junho de 2024.
A nota da Caixa Econômica Federal aborda ainda as novas regras de financiamento habitacional. Segundo a instituição financeira, o objetivo é proteger a liquidez e funcionalidade do sistema bancário, conforme menciona na nota completa.
“A CAIXA estuda constantemente medidas que visam ampliar o atendimento da demanda excedente de financiamentos habitacionais, inclusive participando de discussões junto ao mercado e governo, com o objetivo de buscar novas soluções que permitam expansão do crédito imobiliário no país, não somente pela CAIXA, mas também pelos demais agentes do mercado.
Nesse contexto, a partir de 1º de novembro de 2024, nas modalidades com recursos do SBPE, a CAIXA passou a financiar a aquisição de imóveis ou construção individual, com valor de avaliação ou compra e venda limitado a R$ 1,5 milhão e para clientes que não possuam outro financiamento habitacional ativo com o banco. Além disso, a cota máxima de financiamento admitida passou a ser de até 70% do valor do imóvel, com sistema de amortização SAC e de até 50% com sistema PRICE.
A alteração nas cotas de financiamento e a limitação no valor do imóvel a R$1,5 milhão não se aplicam às unidades habitacionais vinculadas aos empreendimentos financiados pelo banco, mantendo-se nesse caso as condições vigentes atualmente.”
Em resumo, as novas diretrizes, válidas para financiamentos com recursos do SBPE, incluem:
- Limitação do valor dos imóveis financiados: Apenas imóveis avaliados em até R$1,5 milhão podem ser financiados.
- Redução das cotas de financiamento: Até 70% do valor do imóvel pelo sistema SAC e 50% pelo sistema Price.
- Restrição a financiamentos múltiplos: Apenas um financiamento ativo por cliente.
Perspectivas e impactos no mercado imobiliário
Para executivos do setor, a dependência do mercado imobiliário em relação à poupança é um gargalo crítico. Isso porque a Caixa Econômica Federal desempenha um papel central no crédito imobiliário no Brasil, com grande parte de seus recursos oriundos da poupança, que enfrenta um grave esgotamento.
“Desde 2021, mais de R$220 bilhões foram retirados da poupança (saldo líquido entre aportes e retiradas), comprometendo muito o funding. Esse cenário obrigou a Caixa (e outros bancos) a implementar medidas mais restritivas para desacelerar os financiamentos e preservar liquidez”, conta Caio Zuniga, sócio da RExperts.
Segundo Zuniga, as mudanças penalizam especialmente a classe média, que não se enquadra nos programas subsidiados, como o Minha Casa Minha Vida, nem possui a liquidez das classes mais altas.
“O acesso à moradia para as classes mais baixas não será impactado, já que as regras do Minha Casa Minha Vida não estão incluídas nessas mudanças. No entanto, famílias com renda acima de R$8.000/mês, estão acima do teto do programa e as novas condições de financiamento da Caixa tornam ainda mais difícil adquirir imóveis”, comenta.
Zuniga explica que para quem comprar uma unidade de um empreendimento que está sendo financiado pela Caixa, os parâmetros continuam os antigos. Ele acredita que isso intensifica os desafios enfrentados pela classe média, que está fora das faixas de subsídios governamentais e depende mais dos financiamentos bancários.
“Antes, não havia limite para o valor dos imóveis financiados pelo SBPE. Agora, a Caixa financiará apenas imóveis com valor de avaliação ou compra de até R$1,5 milhão. Mesmo que o financiamento seja menor do que esse valor, se o imóvel for avaliado acima de R$1,5M, não será possível financiar pelo SBPE”, diz o executivo.
No segmento de produção imobiliária, o economista-chefe do Secovi, Celso Petrucci, destaca que as novas regras devem impactar diretamente no planejamento das incorporadoras, especialmente para balancear gastos e recursos.
“As incorporadoras, como vão pagar mais caro pelas operações de produção, devem aprofundar seus estudos de viabilidade, pois hoje os financiamentos para produção já estão sendo assinados com um acréscimo de 3% ou mais nas taxas anuais de juros. Se imaginarmos que este acréscimo não caberá no bolso dos compradores, as incorporadoras precisarão reduzir suas margens”, afirma Petrucci.
Adaptações no mercado
Enquanto o cenário se ajusta às novas condições, incorporadoras e consumidores precisarão adaptar-se. O setor imobiliário deverá seguir em alerta, buscando manter a preservação da liquidez com o estímulo à expansão habitacional.
“As mudanças no financiamento, principalmente, se deram pelo encarecimento das operações. Os recursos do SBPE (poupança) e do FGTS a partir de 2025 serão os limitadores para o crescimento do mercado imobiliário”, ressalta Petrucci.
Para o consumidor, a maior entrada exigida representa um planejamento financeiro mais longo e sólido, enquanto para as incorporadoras, a aposta em produtos com maior margem e o foco em empreendimentos financiados diretamente pela Caixa aparecem como alternativas viáveis.
“Uma das estratégias seria a incorporadora trabalhar com produtos que tenham uma margem maior de resultado enfrentando o encarecimento dos recursos para produção, pois esta situação deve se consolidar, até que a taxa de juros de longo prazo do país inicie uma nova tendência de queda”, avalia economista-chefe do Secovi.
Em termos de funding do SBPE proveniente da poupança, 65% devem obrigatoriamente ser usados em financiamentos imobiliários, 20% são destinados ao depósito compulsório (reservas de liquidez), e 15% são de uso livre pelos bancos. Zuniga sugere que a redução do depósito compulsório poderia liberar novos recursos para o financiamento habitacional.
“Uma possível solução paliativa seria reduzir o compulsório de 20% para 15%, o que, segundo cálculos do Estadão, liberaria cerca de R$ 60 bilhões para novos financiamentos. No entanto, essa mudança dependeria de ações do Banco Central e de uma análise mais criteriosa do impacto sobre a liquidez bancária”, observa o sócio da RExperts.
O executivo também enfatiza que, apesar do mercado adotar gradualmente novos fundings como LCIs, FDICs, CRIs, em médio e longo prazo, essa diversificação deverá ser bem ampliada para reduzir a dependência da poupança.
- Maíra Sobral – Coordenadora de conteúdo na ADIT Brasil
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