Artigos / Matérias
Mudanças no Minha Casa Minha Vida revelam demanda por habitação para classe média brasileira

Apesar das boas perspectivas, programa ainda carece de ajustes para nova realidade das classes no país
No mês de abril, o Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), uma das maiores políticas habitacionais do mundo, recebeu uma ampliação com um novo teto de renda familiar. O governo anunciou a criação da faixa 4 do programa, que deve contemplar a classe média que tiver renda de até R$12 mil.
Além disso, o governo direcionou R$15 bilhões do Fundo Social do Pré-Sal para o MCMV, que deverão ser usados na faixa 3 do programa, assim liberando R$15 bilhões do FGTS para a nova faixa de financiamento.

Para Guilherme Werner, sócio da Brain Inteligência Estratégica, as mudanças no Minha Casa e Minha Vida geraram uma expectativa positiva no setor como um todo, sobretudo para desafogar o represamento potencial que estava ocorrendo na classe média.
“Normalmente a classe média possui um bom rendimento mensal, mas ao mesmo tempo possui um comprometimento de renda também considerável. Já é uma família que possivelmente pode ser que tenha filho em escola particular, que mora em um condomínio e tenha taxas de manutenção importantes, que possuem um ou dois carros”, destaca.

“Ou seja, a disponibilidade de recurso para o pagamento de um financiamento imobiliário, por vezes, é menor do que os 25, 30% da renda da família, que é normalmente o que o banco consideraria numa análise de crédito.”
Guilherme Werner
Para o empresário, a redução dos juros para essa faixa representa um alívio significativo não só para os compradores, como também para o mercado, que terá de volta uma saída maior de imóveis de valores equilibradamente maiores.
Muito mais que tijolo e cimento
Com novas faixas de renda, acesso a diferentes fontes de financiamento e demandas crescentes nos centros urbanos, o desafio não é mais apenas construir, mas tornar o acesso à moradia mais inteligente, estratégico e integrado às cidades.
Hélio Mítica, arquiteto e sócio-fundador da AREAURBANISMO, conta que, embora o Programa Minha Casa Minha Vida seja bastante atrativo para muitos empreendedores, a dificuldade na obtenção de áreas com infraestrutura a preços adequados e uma regulamentação ainda pouco eficiente impactam muito no desenvolvimento do negócio.
“A principal vantagem de se atuar no MCMV é ter acesso ao maior segmento do mercado imobiliário brasileiro, que hoje representa aproximadamente 50% dos lançamentos no país. Em contrapartida, os principais desafios são as baixas margens de lucros e a dependência dos estímulos governamentais para a continuidade do programa”, elucida.

Como solução e como forma de aprimorar os custos de obra e a qualidade das construções mesmo com margens de viabilidade tão apertadas, Mítica aponta que as construtoras devem apostar em mais planejamento e projetos, e na busca por áreas maiores e mais adequadas a este tipo de empreendimento.
“As construtoras vêm enfrentando já há algum tempo escassez de mão de obra e custos elevados de materiais para a construção, e a saída tem sido trabalhar com projetos maiores e mais adensados, o que ajuda a diluir os custos da terra, e a otimizar os canteiros”, afirma o arquiteto.
Rodrigo Rocha, sócio da OSPA e diretor da Urbe.me, acredita que com margens cada vez mais apertadas, as incorporadoras precisam mudar o foco e olhar o MCMV menos como um produto imobiliário e mais como um produto financeiro.
“Em vez de buscar apenas margem, a estratégia deve estar na escala, velocidade e na TIR [taxa interna de retorno] do empreendimento. A industrialização da construção, com padronização de projetos e produção off-site, ajuda a reduzir custos e prazos”, explica Rocha.

“Mas, para viabilizar empreendimentos em regiões centrais, é essencial que o poder público colabore, liberando mais potencial construtivo. Isso permite diluir o custo do terreno, melhorar a qualidade urbana dos projetos e reduzir o custo de transporte para os moradores.”
Rodrigo Rocha
“Sem essa convergência entre iniciativa privada e planejamento público, o programa continua empurrado para a periferia — o que resolve o número, mas não o problema da cidade”, complementa o executivo.
Desempenho urbano e políticas habitacionais responsivas
A partir disso, acompanhar a qualidade da inserção urbana dos empreendimentos, o acesso real das famílias aos imóveis e a eficiência do uso de recursos públicos e privados se torna um ponto crucial para prever o sucesso desse tipo de programa.
O indicador de acesso habitacional desenvolvido pelo Instituto Cidades Responsivas, por exemplo, mostra o percentual médio que uma família precisaria dedicar de sua renda mensal para financiar uma moradia com o preço mediano anunciado na cidade.
Esses indicadores de desempenho urbano permitem que sejam criados mapas estratégicos de desenvolvimento urbano para acompanhar o movimento da cidade, dando ênfase à gestão do território, como explica Luciana Fonseca, sócia-fundadora e diretora do Instituto Cidades Responsivas.
“Valores menores do que 30% indicam uma maior probabilidade dos habitantes da cidade conseguirem financiar uma habitação sem prejudicar sua saúde financeira. Se o valor do indicador está baixo, as habitações estão acessíveis à população local. Se está alto, é necessário aumentar a oferta de habitações, buscando equilibrar a demanda”, revela Fonseca.
Dessa forma, para ela, a análise desses índices guia escolhas muito importantes tanto dos empreendedores, como do poder público, na hora de balancear as medidas a serem implementadas. Assim os produtos imobiliários devem ser desenvolvidos com base exata no comportamento da população e público comprador, contemplando as características físicas e estruturais da região.

“As possíveis causas do desequilíbrio entre oferta e demanda podem estar relacionadas com a incompatibilidade entre os instrumentos de planejamento vigentes e as demandas populacionais.”
Luciana Fonseca
Como funciona na prática
Werner menciona que a classe média brasileira tem tido dificuldades em encontrar projetos imobiliários que atendam às necessidades e expectativas, e ainda caibam dentro do orçamento da família.
“Em grandes mercados, grandes cidades, famílias com renda de R$10 a R$12 mil imaginam poder comprar um apartamento melhor, uma casa melhor do que aquilo que o mercado consegue entregar, seja por custos construtivos, seja pelos custos de aquisição no que se refere a financiamento imobiliário”, enfatiza.
Nessa situação, a criação da faixa 4 chega para ajustar todo esse processo de acesso a uma moradia para a classe média, com condições de financiamento que sejam mais atrativas para projetos também interessantes.
“Isso na nossa leitura tende a beneficiar, sobretudo, os grandes mercados brasileiros, as grandes capitais, Belo Horizonte, Florianópolis, Curitiba, Porto Alegre, São Paulo, Rio, Fortaleza, Salvador e Brasília. Porque é onde há o maior desenquadramento entre o que a família pretende comprar e o mercado consegue entregar”, justifica Werner.
O que esperar de inovações para o setor
Para os especialistas, o foco agora deve ser na qualidade da inserção urbana dos empreendimentos, no acesso real das famílias aos imóveis e na eficiência do uso de recursos públicos e privados.
“Não deixa de ser uma inovação a disponibilidade de funding via recursos do pré-sal. Então, isso abre um precedente bacana para o mercado imobiliário, do Minha Casa Minha Vida eventualmente conseguir acessar um funding que não só do FGTS”, ressalta Werner.
Com a eficiência já reconhecida do MCMV, especialmente para a classe média, que agora busca voltar a adquirir novos bens imóveis, Mítica defende que a parceria entre o programa com as empresas do setor precisa considerar os espaços e disponibilidade de áreas onde esses empreendimentos poderão ser desenvolvidos, já que a iniciativa privada tem capacidade e recursos para otimizar a construção das moradias, reduzindo custos e aumentando a qualidade das obras.

“O programa não foi pensado para além da construção da moradia, e sem abarcar esta escala mais urbana é difícil que o programa gere resultados melhores, tanto em relação ao acesso quanto à qualidade.”
Hélio Mítica
Por outro lado, Rodrigo Rocha acredita que é fundamental a criação de políticas que incentivem o retrofit de imóveis ociosos nos centros urbanos, com linhas de crédito específicas e desoneração tributária, além da melhoria das condições e possibilidades de uso do recurso disponível para financiamento.
“O MCMV precisa se adaptar melhor à dinâmica real das cidades. Uma mudança simples e efetiva seria permitir que 100% dos recursos do FGTS possam ser usados na compra de imóveis seminovos — hoje isso é bastante limitado”, reforça Rocha.
Segundo ele, essa flexibilização aumentaria a oferta de moradias em regiões já consolidadas, com infraestrutura pronta, melhor qualidade de vida e menor custo de transporte para as famílias.
- Por Maíra Sobral – Coordenadora de conteúdo na ADIT Brasil
Mais notícias
-
Inovação no cenário de funding para incorporações imobiliárias tem novas estratégias e desafios
-
Artigo: Passados 5 anos, qual foi o impacto da pandemia no setor imobiliário?
-
Conceito, origem do capital, taxas de juros e mais sobre funding para incorporações imobiliárias
-
ADIT Arq 2025 realiza edição inédita em BH com presença da Foster + Partners