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Entrevista: José Carlos Martins
“Não é só uma crise. É todo um modelo que está esgotado”
Para o presidente da Câmara Brasileira da Construção Civil, a crise do setor é oportunidade para o país enterrar velhos modelos na relação entre Governo e Iniciativa privada que se arrastam desde os anos 1970.
Desde o tempo em que estudava Engenharia Civil, na Universidade Federal do Paraná, ainda na década de 1970, até assumir a presidência da Câmara Brasileira da Construção Civil (CBIC), no ano passado, o empresário José Carlos Martins já testemunhou todos os tipos de crise no setor.
“Mas, sinceramente, confesso que nunca havia visto uma crise deste tamanho”, diz o presidente da CBIC. “Até porque não se trata apenas de mais uma crise econômica, como tantas outras que vivemos no passado, mas de uma crise de todo o modelo do governo para o setor.”
Na entrevista a seguir, Martins falou à Panorama ADIT sobre como o setor deve usar a crise para promover uma mudança definitiva na relação com o governo.
Em março deste ano, a CBIC chegou a prever uma queda de, no mínimo, 5% no PIB da Construção Civil. Essa previsão aumentou de lá para cá?
Com certeza, será maior, mas, sinceramente, acho que será cada vez mais difícil estimar. Recentemente, ouvi uma frase que resume, infelizmente, a atual situação: “Quem dera que já estivéssemos no fundo do poço!”.
O que essa crise tem de diferente das passadas?
Desde 1973, quando entrei na escola de Engenharia, nunca vi uma crise desse tamanho. Claro que alguém pode lembrar de outras crises graves, como a da hiperinflação, nos anos 1980, a causada pelo confisco da poupança, no início dos anos 1990, entre outras. Mas acredito que esta crise é diferente, porque não é apenas econômica. É também uma crise política e regulatória. É a crise de um modelo que envolve entraves na legislação ambiental, na legislação trabalhista, na legislação do papel do Corpo de Bombeiros. Uma semana após a comoção natural causada pelo incêndio trágico de uma boate no Rio Grande do Sul, que não seguia os padrões de segurança, criam-se novas leis para a área que sequer o Corpo de Bombeiros sabe se era ideal com impacto no atraso de obras em todo o país. Enfim, trata-se de todo um modelo que está esgotado e emperra o desenvolvimento do país.
Há poucos anos, contudo, o setor vivia uma espécie de lua-de-mel com o Governo Federal após o lançamento de projetos como o Minha Casa, Minha Vida. Essa aproximação não encobriu esses problemas que já existiam?
É fato que o boom da construção civil mascarou, sim, a ineficiência. Com as vendas em alta, algumas empresas aceitaram pagar mais caro uma taxa de cartório, pagar mais por um trabalhador menos produtivo, porque, afinal, esse valor era diluído em um resultado final. Agora, é natural que tudo isso fique mais evidente. Precisamos, sim, abandonar um modelo demagógico e aproveitar o momento para o fechamento de um novo pacto com o setor privado que seja duradouro.
Com o atual cenário político, você acredita em um novo pacto para o setor?
Acho que estamos naquele ponto em que está todo o mundo perdendo tanto que já há a consciência de que não dá mais para seguir o mesmo modelo, mesmo que seja necessário tomar um remédio amargo para a transição. Não adianta insistir em modelos que todos sabem que produzem apenas os chamados voos de galinha. Se o país não enfrentar seus problemas de produtividade, de uma legislação trabalhista defasada, de um Estado que arrecada impostos como se fosse a Suécia e não dá contrapartida em serviços, vamos continuar sem soluções duradouras.
Boa parte desse velho modelo não beneficiou grandes empresas do setor que estão agora implicadas na Operação Lava-Jato?
Não adianta trocar os atores. Tem que trocar o modelo. Vivemos um modelo de centralização que foi concebido ainda na década de 1970, que concentra grandes obras do país em poucas empresas. É preciso descentralizar. Quando você descentraliza, minimiza os problemas. É preciso também mostrar com clareza as implicações diretas desse modelo na conta paga pelos brasileiros. O brasileiro precisa saber que o atraso no cronograma de grandes obras decorrentes de burocracia, corrupção ou indefinição na legislação das áreas indígenas tem impacto direto na sua conta de energia. Se ele souber que uma invasão da obra de Belo Monte tem impacto na sua tarifa, será que ele apoiaria a causa de grupos que invadem a obra? Além disso, temos que aproveitar o momento para rever todo o modelo.
Na prática, quais seriam os principais pontos que precisam ser revistos no setor?
Dois pontos precisam ser mudados para alavancar o setor. O modelo de concessões e das PPPs (parcerias público privadas). A mudança nessas duas áreas, afinal, atende a necessidades básicas do Estado brasileiro: aumentar a capacidade de investimento em infraestrutura, captar investimentos da iniciativa privada e permitir que a sociedade tenha instrumentos para controlar a qualidade dos serviços. No modelo de concessões, por exemplo, por que uma única empresa tem que ser responsável por mil quilômetros de uma obra? Por que não fracionar e permitir a participação de novos entrantes? É preciso desconcentrar o atual modelo que beneficia apenas empresas que se especializaram em atender às regras do velho modelo.
Qual a força política da CBIC para promover essas mudanças?
Ao longo de sua existência, a CBIC sempre procurou agir sem corporativismo. Temos a convicção de que o melhor para o país também é o melhor para a CBIC e nossa interlocução continua boa. Por isso mesmo, costumo dizer que, apesar de o setor como um todo viver um mau momento, a CBIC continua forte.
Como presidente da CBIC, qual o conselho que você daria aos empresários neste momento?
O primeiro é que eles sejam conservadores neste instante porque se trata de uma crise grave, complicada. Mas é preciso ter em mente que, como em toda a crise, sairemos dela. E como o setor tem uma demanda reprimida grande, no refluxo da crise, as empresas que estiverem mais enxutas, eficientes e competitivas serão as primeiras a serem beneficiadas.
Rodrigo Cavalcante – Comunicação ADIT Brasil
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