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Cotas Imobiliárias: bilhões em frações
Por que o mercado de propriedade compartilhada cresce na contramão da crise do setor imobiliário no país

No Brasil, a descoberta teve início, mais uma vez, pela Bahia.
Quando, em 2010, o grupo Odebrecht lançou o projeto do Quintas Private Residences, um conjunto de casas de férias de luxo na Costa dos Coqueiros vendida também no modelo de propriedade fracionada – em que o consumidor pode adquirir uma residência de férias em parceria com outros moradores –, o modelo de propriedade compartilhada, ancorada por uma grande construtora, parecia fincar sua bandeira definitiva no país.
Voltado para o segmento do chamado consumidor A+, assim como outros projetos em destinos icônicos da Bahia, como o Itacaré Paradise, o conceito seguia um modelo de sucesso já consolidado em países na Europa e nos Estados Unidos – onde a propriedade fracionada tem sua principal força no compartilhamento de imóveis de luxo. Não demorou muito, contudo, para o mercado descobrir que, no Brasil, o maior potencial do modelo se encontrava em outro segmento.
“Diferentemente de franceses e norte-americanos, a cultura de compartilhamento de um imóvel de alto padrão no Brasil ainda era algo novo”, diz Adriana Chaud, diretora comercial da NewTime, uma das maiores comercializadoras de imóveis fracionados no país. “Por aqui, logo ficou claro que a maior demanda para esse modelo viria de compradores de renda média e baixa que tem no modelo fracionado a chance de adquirir uma segunda residência para férias e lazer”.
Não à toa, foi exatamente em meio a uma das maiores crises do setor da construção civil do país que o modelo deslanchou como uma alternativa para vender imóveis por uma fração adequada à nova realidade do poder de consumo. E o resultado é que, apesar de ter conquistado força só recentemente no Brasil, uma pesquisa da Caio Calfat Real Estate Consulting, que realiza estudos de viabilidade econômico-financeira, estima que as empresas que trabalham com propriedade fracionada têm crescido 60% ao ano e devem movimentar mais R$ 2 bilhões em 2016.
“E esse valor é, literalmente, uma pequena fração do que ainda está por vir”, diz Caio Calfat que, como vice-presidente de assuntos Turísticos e Imobiliários do Sindicato da Habitação do Estado de São Paulo (Secovi-SP), comanda um grupo de trabalho que elabora a proposta de um anteprojeto de lei para regulamentar definitivamente as propriedades fracionadas no Brasil. “Focamos em todos os aspectos, sejam eles jurídicos, comerciais, operacionais ou organizacionais”, diz o consultor. Ele lembra que, por enquanto, ainda falta uma legislação específica para o setor e os atuais contratos desse tipo são regidos pelo artigo 1.255 do Código Civil, que prevê a concessão real de direito de uso, e a Lei de Incorporação de Imóveis (Veja modelos jurídicos nas páginas 32 e 33).
Como o mercado, obviamente, não costuma esperar paralisado a regulamentação específica para a área, o número de empreendimentos destinados à propriedade fracionada não parou de crescer no Brasil. Se, inicialmente, a Bahia foi o destino pioneiro na atração de projetos neste segmento, a explosão desse mercado pouco a pouco seguiu em direção a regiões do Centro Oeste do país onde o conceito de férias compartilhadas já estava bem consolidado.
Do centro oeste para todo o Brasil
Esse é o caso da cidade de Caldas Novas, em Goiás, que atrai anualmente milhões de turistas para a região em busca de resorts e parques de águas hidrotermais onde nasceram grandes grupos de tempo compartilhado no país.
Entre eles está o grupo Privé que, após realizar uma pesquisa em 2008, descobriu que apenas 15,8% dos clientes e turistas da cidade tinham renda suficiente para a compra de um apartamento no sistema tradicional. “Enquanto a renda mínima para qualificação era de R$ 12 mil para pagamentos de parcelas da ordem de R$ 1.500 por mês, 64,5% dos clientes na pesquisa ganhavam pouco mais de R$ 5 mil por mês e não possuíam renda mínima para adquirir o apartamento”, diz Marcos Freitas Pereira, sócio diretor da WAM, empresa criada pelo grupo para atuar com propriedade fracionada. “Foi a partir desta constatação que Waldo Palmerston, diretor presidente do grupo, teve a ideia de criar um produto que se adequasse ao perfil desse cliente com parcelas entre R$ 400 a R$ 500 por mês”.
Com esse novo perfil, o grupo se expandiu rapidamente para além de Goiás e hoje tem projetos de propriedade compartilhada na Bahia, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e em Olímpia, interior de São Paulo, cujos resorts e Parque Aquático transformaram a cidade numa das estâncias turísticas que mais crescem em todo o país.
É em Olímpia, por exemplo, que estão localizados também os maiores empreendimentos do Grupo GR, outra construtora que nasceu em Goiás e, após investir no setor de condohotéis, decidiu mudar de foco e se tornar especializada em empreendimentos de venda fracionada na região.
Segundo Gustavo Rezende, diretor comercial do Grupo GR, as construtoras que desejam entrar nesse mercado precisam estar preparadas para uma série de mudanças internas para se adaptarem ao novo modelo. “São empreendimentos cujas etapas e aportes de investimento em projeto, comercialização e pós-venda, por exemplo, têm um perfil bem diferente do de um lançamento imobiliário padrão de uma construtora”, diz Rezende.
Ele explica que um dos principais cuidados começa pela escolha do destino do empreendimento. “Como esse tipo de empreendimento é voltado para um número de compradores bem acima do de um empreendimento comum, é preciso que ele esteja encravado em um centro que atraia visitantes o ano inteiro”. Além disso, o diretor diz que a construtora precisa ter em conta que o ciclo do investimento em fracionados requer planejamento financeiro diferenciado – incluindo um aporte inicial de recursos bem maior do que o usual em áreas como a de vendas, por exemplo. “A venda de fracionados requer um modelo semelhante ao do Time Share, ou seja, é uma venda também emocional que exige uma equipe diferenciada”, diz o consultor. “Na prática, isso significa que o custo de comercialização pode representar mais do que o dobro do de um lançamento padrão”.
Ele lembra também que gestão da carteira no pós-venda requer uma operação bem mais robusta e estruturada para administrar um número de contratos dezenas de vezes maior. “Assim como no Time Share, o pós-venda é uma segunda venda que exige um contato de boas vindas e o cuidado para esclarecer qualquer dúvida sobre o direito do comprador”, diz Rezende.
Enquanto a WAM criou seu clube próprio de benefícios para clientes usufruírem de time share em sua rede de empreendimentos, boa parte das empresas na área prefere firmar parcerias com grandes intercambiadoras de Time Share como a RCI.
“Existem vários formatos de parceria que permitem às construtoras antecipar algumas das vantagens que o seu cliente vai obter ao adquirir uma propriedade compartilhada”, diz Maria Carolina Pinheiro, diretora no Brasil da RCI. “Seja por meio de subsídio integral ou parcial, o importante é oferecer aos clientes uma antecipação de benefício que, em nosso caso, envolve uma rede de credibilidade com mais de 4 mil destinos no mundo”. Segundo a diretora da RCI, outro ponto importante da antecipação do benefício é o fortalecimento da cultura de viagem e de compartilhamento de férias, essencial para a disseminação do mercado de cotas imobiliárias. “Quem compra uma cota imobiliária está comprando, na prática, direito antecipado do usufruto de férias para um empreendimento”, diz Carolina. “Se ela tiver o direito de trocar os dias estabelecidos de sua cota por diárias em outro destino, é claro que o apelo para se adquirir uma fração imobiliária será muito maior”.
Diferentemente do Time Share, contudo, a maioria das construtoras de empreendimentos de cotas imobiliárias descobriu que um dos apelos da venda de frações imobiliárias para o consumidor brasileiro é o conceito de propriedade. “Não tem jeito, o consumidor brasileiro é patrimonialista”, diz Danilo Samezima, gerente da WAM. “Por isso mesmo, desde 2009 realizamos um trabalho de intermediação com os cartórios de registro de imóveis para garantir os direitos de registro de quem adquire uma fração dos nossos empreendimentos”.
Assim como o gerente da WAM, a diretora comercial da Newtime, Adriana Chaud, concorda que o modelo que permite o registro da fração tem sido essencial para a expansão das vendas de cotas imobiliárias no país. “A velocidade de vendas dos empreendimentos que garantem escritura em cartório não se compara à dos que oferecem apenas direito de uso por determinado período, mesmo que seja por décadas”, diz Chaud. “No momento da compra, a segurança e o status de adquirir uma propriedade que pode ser escriturada, ainda que seja uma pequena fração entre dezenas de outros proprietários, faz toda a diferença”.
Dezenas de outros proprietários? Afinal, como definir o número ideal de cotas num mercado que já está fracionando uma única propriedade em até 52 partes para a venda – o que dá o direito de uma semana de uso por ano?
“Não existe um número mágico, essa é uma decisão do empreendedor de acordo com o conceito de cada lançamento”, diz Adriana Chaud, da NewTime. Ainda assim, os empreendedores da área lembram que é preciso avaliar os custos e riscos que vão assumir para fazer a gestão desse número de clientes. “Se já é complexo fazer a gestão da carteira de clientes em lançamentos padrões de um proprietário por imóvel, imagine então a complexidade para fazer a gestão de um empreendimento em que cada unidade tenha 52 donos”, diz Gustavo Rezende, do Grupo GR.
A preocupação e o planejamento com o pós-venda no modelo de frações não estão restritos apenas à gestão dos contratos, mas também sobre o melhor modelo de administração do empreendimento após a entrega.
Apesar de inicialmente muitos acreditarem que as administradoras de bandeiras hoteleiras iriam naturalmente abocanhar o mercado, ficou claro, com o tempo, que a necessidade e o custo desses serviços nem sempre se adequavam ao perfil dos novos empreendimentos – boa parte deles voltado para um público que não pode ou não está disposto a pagar muito mais para ter acesso aos mesmos serviços diários e estrutura de um hotel.
“Descobrimos, por exemplo, que serviços ofertados inicialmente como um buffet gigante de café da manhã ou serviços diários de limpeza oneravam muito o condomínio e nem sempre eram demandados pelo cliente”, diz Danilo Samezima, da WAM. “Essas demandas são diferentes inclusive entre regiões, sendo uma para um empreendimento na Bahia, por exemplo, e outra para um empreendimento em Gramado”.
Conhecida como uma referência no turismo brasileiro, Gramado tem sido também considerada um modelo em projetos de cotas fracionadas. É lá, por exemplo, que estão localizados grupos como o Gramados Parks, que tem alcançado sucesso ao unir resorts para venda fracionada a parques como o de neve Snowland, um dos mais procurados pelos turistas na cidade usados como canal de vendas para novos projetos fracionados na região.
Segundo Alex Cavaleiro, um dos sócios investidores do projeto, o sucesso do grupo na região se deu pelo pioneirismo de atrelar projetos fracionados a parques temáticos, prática já bem disseminada em outros países. “A vantagem desse modelo é que ele termina gerando vários novos negócios em seu entorno”, diz Cavaleiro. “E o Brasil ainda tem um espaço imenso para a implantação de novos projetos desse tipo”. Após o sucesso do Snowland, o próprio Alex Cavaleiro descobriu a existência de um aquífero com águas com temperatura de 46 graus na cidade onde já está sendo construído o Gramado Termas Park, anunciado como o primeiro parque de água termal indoor do Brasil – com o apelo de estar em plena Serra Gaúcha.
Alex, que está saindo do Brasil para morar no exterior (onde pretende atuar como consultor de projetos turísticos), lembra que o futuro do mercado fracionado no Brasil dependerá exatamente do emprego das melhores práticas adotadas em todo o mundo. “O mercado fracionado tem um potencial enorme e acredito que os novos empreendimentos já podem aproveitar a curva de aprendizado dos últimos anos”, diz o consultor. “Isso exige a sabedoria de não se iludir apenas com uma perspectiva de VGV (Volume Geral de Vendas) atraente à primeira vista, mas da compreensão da operação como um todo por meio da troca de experiências em eventos como os realizados pela ADIT e da contratação de equipes sérias para todas as etapas do projeto, da construção ao plano de vendas, do pós-venda às atrações âncoras do projeto”.
Da Costa da Bahia à Serra Gaúcha, o mercado de frações já invadiu, de fato, quase todo o país.
Por Rodrigo Cavalcante – 5ª edição da Revista Panorama ADIT
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