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Condo-Hotel e a CVM
Carlos Eduardo Peres Ferrari é advogado especialista em Mercado de Capitais e sócio fundador do Negrão, Ferrari & Bumlai Chodraui Advogados – NFBC.
Não é novidade que nos últimos anos, a atividade econômica voltada ao segmento imobiliário tem crescido muito no Brasil – não só devido à ampliação de linhas de crédito imobiliário, o alargamento de prazos de financiamento e o desenvolvimento do financiamento via mercado de capitais, com relevante participação de pessoas físicas e do capital estrangeiro nessa modalidade de investimento, mas também em razão do significativo período de estabilidade econômica, com o equilíbrio da taxa básica de juros de longo prazo e o fomento de mecanismos que proporcionam maior liquidez para diferentes setores da economia, permitindo consolidar a forte demanda por imóveis, que tem incentivado, de forma sólida, o reiterado crescimento do setor de imobiliário com taxas acima do desenvolvimento do País.
É dentro desse cenário virtuoso que a atuação empresarial desavisada e, por vezes, desastrosa, pode ocasionar efeitos danosos e irreversíveis para um mercado já repleto de desafios.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tem atuado no sentido de intensificar a árdua tarefa de fiscalização do mercado de valores mobiliários no Brasil, informando a atuação irregular no mercado de valores mobiliários por parte de pessoas não autorizadas e aplicando punições àqueles que descumprem as regras estabelecidas. E os resultados positivos alcançados na prevenção e no combate a práticas lesivas ao mercado são evidentes.
Fomenta essa questão o fato de a CVM ter publicado em dezembro de 2013, alerta ao mercado sobre situações que podem configurar captação irregular de poupança popular, promovidas, em regra, por incorporadores e corretores de imóveis, por meio da oferta pública de oportunidades de investimento em empreendimentos imobiliários.
O que se deseja afastar com isso é a possibilidade de ofertas de cotas (ou ações) ou contratos de empresas imobiliárias, vinculadas ao negócio hoteleiro, sem o necessário registro perante a CVM. Esse tipo de oferta não se enquadra como a comercialização de um produto imobiliário, ainda que propagandeado como investimento hoteleiro. Além disso, tem existido a utilização de publicidade desmedida e que extrapola a finalidade de comercialização de um produto imobiliário, com destaque aos argumentos financeiros, garantia ou promessa de, em contrapartida aos investimentos realizados, receberem parte dos lucros. É justamente uma oferta que não se refere à comercialização de bem imóvel.
É necessário ressaltar que a comercialização de bens imóveis, que tenha sido objeto de regular incorporação imobiliária e que exige a observância de regras estritas impostas pela Lei nº 4.591/1964, pelo Código Civil e pela lei consumerista, não se coaduna no espectro de atuação da CVM. Por outro lado, e com razão, a prática empresarial de ofertar publicamente um investimento financeiro vinculado à atividade imobiliária, deve ser objeto de restrições e contar com o devido registro junto ao órgão regulador.
A caracterização de oferta pública verifica-se, principalmente, a partir da realização de (i) esforços de venda de títulos ou contratos de investimento coletivo, (ii) que gerariam direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante da prestação de serviços e (iii) cujos rendimentos viriam do esforço do empreendedor ou de terceiros, nos termos da Lei nº 6.385/1976.
Em resumo, e para melhor orientação aos incorporadores de empreendimentos imobiliários hoteleiros, estará caracterizada a oferta pública de valores mobiliários quando os atos de venda sejam praticados por meio de instrumentos destinados ao investimento financeiro, inclusive com a utilização de material de marketing cujo conteúdo seja divulgar a expectativa de obtenção de lucros – e não por meio de compra e venda de bem imóvel. Assim, todas as atividades referentes a valores mobiliários e todos aqueles que estão envolvidos com estas atividades compreendem o mercado de valores mobiliários e submetem-se à disciplina e fiscalização da CVM.
Existe uma expressão popular muito interessante que diz mais ou menos assim: “jogou fora a água da bacia, com a criança e tudo”. Na verdade, esta é uma forma simples de expressar indignação ao notar que, na intenção de se livrar de algo incômodo e repugnante, as pessoas acabam pondo no lixo questões e coisas profundamente valiosas. De certa maneira, o ditado da criança e da bacia encerra a necessidade de separação dentro de um mesmo ambiente, do que é importante, saudável, útil e principal para o mercado e que, portanto, deve ser aproveitado, daquilo que deve ser afastado e destacado.
A participação do advogado tem sido cada vez mais fundamental na análise, aconselhamento e desenvolvimento de estruturas adequadas de financiamento e voltadas ao fomento da atividade imobiliária. Com atuação presente desde o estágio inicial das operações, e com a finalidade de verificar a efetiva viabilidade do projeto de forma ampla, de acordo com a respectiva peculiaridade de cada empreendimento ou projeto, a orientação jurídica não está limitada à simples revisão de contratos ou formalização de condições previamente acordadas – vai além. É indispensável a orientação clara e objetiva na concepção e comercialização do produto imobiliário, para que as práticas do mercado se tornem seguras e as relações jurídicas dos agentes que atuam nesse cenário cada vez mais eficientes.
O que é relevante, portanto, reside na forma e no conteúdo da divulgação utilizada para a comercialização do produto. Quanto à forma, a utilização de serviços públicos de comunicação; a distribuição de material de marketing em lojas, escritórios ou quaisquer outros estabelecimentos acessíveis ao público; ou por meio de corretores ou intermediários que procurem os investidores caracterizam a realização de oferta pública. Já quanto ao conteúdo, o material publicitário voltado à comercialização de bem imóvel, como quartos de hotéis, não deve conter informações a respeito de retorno financeiro; taxas de rentabilidade; rendas decorrentes do resultado da exploração do imóvel; referências à qualidade do investimento; mas sim divulgar as qualidades e características do empreendimento imobiliário. Em outras palavras, a “água da bacia” deve, sim, ser dispensada, mas isso deve ser feito com o devido cuidado para a preservação e ampliação do mercado imobiliário, que atua de forma saudável e consciente, como indispensável ferramenta de crescimento socioeconômico.
Para mais informações sobre este tema entre em contato com Carlos Eduardo Peres Ferrari em Negrão, Ferrari & Bumlai Chodraui Advogados pelo telefone (+55 11 3047.0777) ou e-mail (carlos.ferrari@nfbc.com.br).