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Como o Placemaking ajudou no sucesso de Jurerê Internacional
A cidade é um organismo vivo e as pessoas que nela habitam estão em constante transformação. Aceitar e entender essa verdade evita um dos maiores erros no processo de construção da relação pessoa-cidade: o de acreditar que essas pessoas viverão da mesma forma para sempre. Para a arquiteta e urbanista Lorena Babot, que atuou na concepção e coordenação metodológica de diagnósticos e estudos do masterplan Jurerê Internacional, em Florianópolis (SC), o fio condutor para o bom planejamento de um lugar reside na responsabilidade compartilhada entre gestores públicos e empreendedores.
“Enquanto um vai garantir a função social da cidade, outro vai pensar na qualidade dos espaços de uso público e na função ambiental das áreas de preservação, um bem de todos, para a saúde de todos”, diz. É sobre ouvir, observar e ter a capacidade de gestão e ferramentas para o desenvolvimento de novas atividades e estruturas. “Tudo isso conforme padrões de comportamento, mas altamente conectado ao padrão que foi escolhido como fio condutor para o planejamento do lugar.” Nesse contexto se insere o Placemaking – que engloba não só o espaço físico, mas as atividades que nele acontecem e o significado que ele adquire. “Fazer lugares necessita de uma gestão a longo prazo. E não estou falando apenas em cuidar das atividades, mas sobretudo, da prática permanente de avaliar o desejo das pessoas.”
Placemaking é uma abordagem multifacetada para o planejamento, design e gerenciamento de espaços públicos. A organização do espaço aproveita os ativos, a inspiração e o potencial de uma comunidade local, com a intenção de criar espaços públicos que promovam a saúde, a felicidade e o bem-estar das pessoas.
Ou seja, o quê e como as pessoas querem conviver. “Cuidar do lugar é planejar o espaço, contribuir para a significação e transformá-lo permanentemente, qualificando-o, aprimorando-o e cuidando para que as pessoas sintam vontade de ali estar”, explica. Construir espaços públicos que estimulem interações entre as pessoas e ao mesmo tempo promovam saúde e felicidade é a forma mais eficaz de tornar esses lugares desejados e acessíveis.
Mas como o placemaking pode valorizar projetos imobiliários? Sendo o melhor que puder ser. “Acessível, ativo, confortável, bonito, sociável e de múltiplas atividades para as diversas formas de viver”, reforça a arquiteta. “Tem que existir respeito à diversidade e aos arranjos familiares. A beleza do lugar é consequência desses componentes, o que, certamente, valoriza os projetos criando o desejo de viver e estar ali.”
Jurerê Internacional, um dos maiores cases desse segmento no país, comemorou 40 anos em 2020. Capitaneado pelo Grupo Habitasul, o projeto reconhecido no exterior como referência de bairro de orla marítima, tem, como principal lema, distinguir lugar de estar e lugar de preservar. “E nesse conceito, os sujeitos principais são moradores e visitantes.”
Ela se refere às áreas naturais que são a maior riqueza do bairro. “Morar em um lugar tão belo, onde existem atividades para todos, com segurança, e que sobretudo proporciona uma vida saudável e feliz, de fato, é único. É um local que há 4 décadas é projetado para as pessoas”, reforça. “Trata-se de um lugar peatonal, conectado com a natureza, onde as pessoas convivem diariamente com uma paisagem bonita e ambientes saudáveis. Mas o principal ingrediente desse sucesso é fazer junto.” Moradores, empreendedores, proprietários e a empresa como desenvolvedora desse lugar, enriquecem cada vez mais a qualidade das atividades e entregas, com um permanente diálogo de parcerias e colaboração.
Das lições aprendidas, ela compartilha aquilo que é o maior orgulho dela como profissional da área de sustentabilidade: o sistema de saneamento integrado ao planejamento.
“Não há mais como pensar em desenvolvimento, sem pensar de onde sairá a água e para onde irão os efluentes e resíduos”, explica Lorena.
Isso tudo pensando na capacidade de suporte que o espaço tem de absorver as projeções populacionais, claro. “Pensar integralmente no ciclo espaço – população – capacidade de suporte, é fundamental. Fazer lugares é planejar o ciclo todo. Quando finalmente enxergamos que somos uma coisa só, percebemos que a vida nas cidades é a troca permanente de energia, cidade-natureza.” Placemaking é isso.
Especialista em sustentabilidade em suas dimensões sociais e territoriais, Lorena aponta como maior desafio de Jurerê Internacional a manutenção da diversidade e diálogo, fatores importantes para o sucesso do bairro. “Construir novos lugares com novos padrões, para novos públicos e gestores, com novas regras e normas, tendo em vista que o empreendimento virou lugar de muitos, é um desafio. O mundo mudou, as formas de vida mudaram muito.” A sinceridade ao falar e mostrar as dificuldades para os moradores é uma forma de definir consensos e reforçar a confiança no local. “Não é fácil atender todos os desejos, administrar essa diversidade cultural e entregar para cidade um empreendimento aberto como parte do tecido urbano”, diz. Há muitas interfaces que interagem nesse contexto da cidade e tudo interfere.
Ao longo do desenvolvimento do masterplan, a legislação ambiental e urbanística sofreu diversas transformações. Apesar dos entraves, essa evolução contribuiu para o conhecimento dos espaços e das possibilidades existentes. “No fim das contas, nos tornamos um exemplo grandioso de urbanização sustentável. As normas próprias são importantes para manter o padrão projetado, mas é preciso ter flexibilidade. Os comportamentos mudam e a inteligência de se conhecer profundamente o lugar acaba abrindo os olhos para opções melhores do que se havia visto em outras épocas.”
Placemaking é sobre interação pura e constante entre espaço e pessoas, e com seus significados que ao longo das experiências vão ganhando importância.
Consolidado no país, já não se pode pensar em cidade sem considerar as pessoas em primeiro lugar. “É necessário refletir sobre o significado que os espaços públicos têm sobre a perspectiva de saúde e afetividade humana”, comenta a arquiteta. Ela cita outros projetos de referência, além de Jurerê internacional. “Parque Una e Pedra Branca, por exemplo, estão todos alinhados com essa premissa. É fundamental dizer que não se trata apenas de ambientes públicos urbanizados, mas também da função ambiental que as áreas de preservação têm, no quanto isso agrega valor nas comunidades.”
O papel do empreendedor é este: a preservação, a conservação, a gestão, para o sucesso do empreendimento e dos lugares de convivência. “Considerando sempre uma urbanização integrada e integral, do ponto de vista da ética e da estética dos projetos de urbanização”, diz.
Enxergar o empreendimento como um ciclo completo é uma dica valiosa. E ela revela uma série de decisões que transformou a rotina em Jurerê. “Não são bem novidades, mas pontos que se tornaram comprovadamente eficientes: a utilização indireta da água de reuso, a gestão compartilhada nos aspectos de segurança, a manutenção do bairro direta com os moradores, e o planejamento urbano”, lista Lorena. Este último ponto visa o equilíbrio dos espaços urbanos, com os espaços naturais, complementando os usos com o que é chamado de “conexões verdes”. Trata-se da conexão da natureza através da utilização de espécies nativas. “Seja nos jardins e calçadas, seja em parques urbanos, atuando sempre no fortalecimento dessa natureza com os corredores ecológicos protegidos através da criação de reservas naturais e do reconhecimento e conservação das áreas de preservação permanente no entorno”, explica.
Placemaking é cuidar de todas as interfaces. Não é marketing, é trabalho, dedicação e respeito pela vida.
Presente no painel “Placemaking na prática”, Lorena pretende explorar o eixo fundamental de Jurerê Internacional, mostrando como o empreendimento contribui para o conhecimento sobre comunidades sustentáveis através do equilíbrio ambiente urbano e ambiente natural. “Quero falar sobre os desafios do urbanismo, diante do marco regulatório dos novos instrumentos de planejamento e saneamento. E um dos temas mais inquietantes do momento, a gestão da coexistência de públicos diferentes, nos espaços públicos, para convivências harmônicas e permanente valorização desse lugar tão desejado que é Jurerê internacional.”
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