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Bleisure ganha força e transforma desenho e rentabilidade da hotelaria brasileira

Empreendimentos começam a conciliar progressivamente lazer com estruturas propícias ao trabalho
Nos últimos anos, as divisões entre lazer e trabalho têm se tornado cada vez mais tênues, e essa mudança de comportamento influencia diretamente o modo como a hotelaria se estrutura. Tanto que, para o setor, essa convergência entre os dois lados do hóspede ganhou nome próprio, a expressão bleisure, que une as palavras em inglês “business” e “leisure”, que significam negócios e lazer, respectivamente.
Para Mark Campbell, VP de produtos e serviços técnicos da Atlantica Hospitality International, espaços antes considerados secundários, como áreas de convivência, cafés e restaurantes, ganharam protagonismo, sendo adaptados também como locais de trabalho remoto.
“Além disso, a arquitetura busca reduzir a separação entre áreas internas e externas, incorporando elementos da natureza, luz natural e materiais locais, criando uma atmosfera mais acolhedora e inspiradora”, revela Campbell.
O conceito ganhou ênfase com a pandemia e atualmente redefine o design de novos empreendimentos, impacta o tempo de permanência dos hóspedes e contribui para o aumento do ticket médio em diversos hotéis pelo país.
Apesar da frequência desse perfil de hóspede ter diminuído em algumas redes após o retorno das atividades de trabalho presenciais, o impacto desse movimento durante o período de maior restrição social não passou despercebido, como conta Miguel Diniz, head de novos produtos e inovação do Grupo Tauá.

“Foi algo mais intenso durante a pandemia e na retomada, onde o trabalho remoto estava predominante”.
Miguel Diniz
Assim, Campbell reforça que o design hoteleiro deixou de focar exclusivamente em quartos confortáveis para descanso e com um bom café da manhã. Embora esses quesitos continuem sendo cruciais, é necessário mais que isso para atender a nova geração.
“Os hotéis passaram a priorizar a criação de experiências completas, que combinem funcionalidade, bem-estar e conexão com a cultura local, que representa forte tendência nos últimos anos”, destaca o executivo da Atlantica.
Conectividade e espaços multifuncionais
Quando se fala em conexão, não é apenas sobre o contato com as pessoas e tradições locais. A conectividade com o mundo online também é indispensável para o público que hoje tem a possibilidade de trabalhar de qualquer lugar. Ou seja, a hospedagem precisa estar pronta para se tornar um ambiente de trabalho com apenas uma chamada de vídeo.
Lara Teixeira, SVP de Design, Técnico e Serviços da Accor, explica algumas das estratégias aplicadas para adaptar os espaços já existentes. Segundo ela, a criação de novos ambientes propícios para o trabalho ainda contribui para o equilíbrio pessoal e profissional do seu hóspede.
“Nos apartamentos, priorizamos soluções que atendam ao trabalho remoto, como mobiliário ergonômico, infraestrutura adequada e tomadas bem posicionadas, por exemplo. Também adotamos áreas de coworking e experiências que favorecem o equilíbrio entre desempenho profissional e relaxamento pessoal”, detalha Teixeira.
Seguindo esse mesmo raciocínio, Rafael Albuquerque, diretor de multipropriedade Grupo Hot Beach Parques e Resorts, destaca que além das áreas destinadas a coworking, uma prioridade também foi modernizar e ampliar a rede de Wi-fi para oferecer uma experiência mais satisfatória para quem decide trabalhar no resort.

“Cada vez mais o viajante quer combinar viagem de lazer com o trabalho, e o que estamos fazendo aqui é adaptar nossos hotéis para este público.”
Rafael Albuquerque
Para Diniz, estruturar esses espaços se torna fundamental para o viajante de bleisure. Isso pois, apesar do trabalho remoto ser flexível para a realização de tarefas em ambientes informais, algumas demandas podem exigir maior concentração e foco.
“É importante ter espaços pensados para o trabalho remoto. Uma reunião ou outra à beira da piscina até pode ocorrer, mas quando o hóspede precisa estender a jornada, vemos que o espaço privativo se torna fundamental. Por isso, sempre deixamos algumas de nossas salas de eventos separadas para isso”, completa.
Mais versatilidade, mais dias de estadia
O retorno desse cuidado com o bleisure se mostra não apenas na quantidade de hóspedes interessados em trabalhar no hotel, como também no tempo de permanência. Guilherme Martini, VP de operações, vendas e marketing da Atlantica Hospitality International, frisa um aumento significativo na estadia de hóspedes com esse perfil.
“A demanda dos hotéis com perfil corporativo passou por uma transformação no pós-pandemia com o avanço do bleisure. Notamos um aumento na ocupação durante os finais de semana em empreendimentos que, antes, registravam baixa procura nesse período, além de um crescimento de aproximadamente 30% no tempo médio de permanência dos hóspedes”, analisa o executivo.
Teixeira relata que os viajantes bleisure impulsionam a taxa de ocupação especialmente em finais de semana e feriados prolongados, ao estender a estadia após compromissos profissionais cumpridos na região para aproveitar o lazer do hotel e o destino.

“Esse comportamento é particularmente relevante em destinos corporativos, que antes tinham uma ocupação predominantemente concentrada em dias úteis”.
Lara Teixeira
Já Albuquerque reforça como a propriedade compartilhada contribui para esse movimento. Considerando os diversos formatos e possibilidades de trabalho atual, é cada vez mais comum que mesmo durante a semana de férias, os hóspedes precisem resolver questões pontuais dos seus negócios.
“No nosso caso esse público é muito recorrente, pois na multipropriedade em muitos momentos o cliente vem para aproveitar o que oferecemos de lazer e estrutura hoteleira, não deixando de trabalhar e tratar de negócios na sua semana de férias”, comenta.
Fidelização e marketing na era bleisure
A estrutura adequada para o trabalho remoto se mostra indispensável, entretanto, para a atração e fidelização de clientes, é justamente o lazer que diferencia os hotéis e resorts dos tradicionais coworkings bem equipados.
Martini defende que a melhor forma de atrair o público com perfil bleisure é destacando a diversidade de opções para o viajante, como as facilidades e atrativos do hotel — tudo isso antes mesmo que ele inicie sua viagem.

“Para isso, temos investido fortemente na atuação dos nossos perfis em redes sociais e na comunicação direta com nossa base de clientes do programa de fidelidade da rede”.
Guilherme Martini
Ou seja, os aspectos de entretenimento não podem ser deixados de lado, exigindo, como sempre, inovação e um serviço de excelência. Teixeira acredita que para o hóspede de bleisure, além de localizações estratégicas e boa infraestrutura, existem outras comodidades que complementam a experiência tanto corporativa quanto de diversão.
“Investimos em espaços de lazer como academias bem equipadas, spas, áreas de bem-estar, piscina, recreação infantil, opções gastronômicas diversificadas e programação de entretenimento”, elucida.
Para Campbell, essa combinação de trabalho, lazer e autocuidado hoje é indispensável no desenvolvimento de empreendimentos hoteleiros focados nesse perfil de hóspedes. Logo, cabe aos empreendimentos equilibrar os dois universos, sem tornar os resorts um espaço empresarial, tampouco ignorar quem busca um ambiente favorável para o trabalho.

Ao mesmo tempo, as áreas comuns precisam ser versáteis, com layouts integrados e fluidos, que permitam ao hóspede trabalhar no café, almoçar no mesmo espaço, relaxar no lounge ou no bar, sem mudanças bruscas de ambiente”.
Mark Campbell
Em uma troca em que todos os lados saem ganhando, Martini ainda ressalta que, da mesma forma, hotéis com perfil de lazer também foram beneficiados por esse movimento, especialmente aqueles que recebem eventos corporativos — que sofreram uma diminuição com o crescimento das reuniões e encontros online.
“Muitos viajantes optam por prolongar a estadia, muitas vezes trazendo a família após o término do trabalho. Esse novo comportamento, naturalmente, tem gerado impacto positivo na rentabilidade dos empreendimentos, ajudando a compensar a queda na demanda causada pela substituição de parte das viagens de trabalho por reuniões virtuais”, completa o executivo.
- Por Maíra Sobral – coordenadora de conteúdo na ADIT Brasil
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