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Artigo: o modelo tradicional de compra e venda de imóveis está morrendo

Por Eduardo Buzzi, head de investimentos da Terracotta Ventures
O modelo tradicional de compra e venda de imóveis, baseado na posse como símbolo de estabilidade e sucesso, está em declínio. O mercado imobiliário global, e o Brasil não é exceção, atravessa uma transformação acelerada que reflete mudanças estruturais na sociedade, na economia e na tecnologia.
Se ainda restam dúvidas sobre essa transição, os números falam por si: Nos Estados Unidos, a taxa de propriedade de imóveis entre os millennials (nascidos entre 1981 e 1996) é de 43%, segundo o relatório mais recente da Apartment List. É um valor bem menor se comparado com outras gerações, e a dificuldade em adquirir imóveis está diretamente ligada ao aumento dos preços e às condições de financiamento menos favoráveis.
Além disso, a inflação dos imóveis nos EUA tem direcionado cada vez mais a vocação de casas para renda:
No Brasil, a tendência é semelhante: os preços dos imóveis continuam subindo em ritmo superior à inflação e à renda familiar. O Índice FipeZAP registrou um aumento de 7,73% nos preços dos imóveis residenciais em 2024, a maior alta dos últimos 11 anos, enquanto a inflação oficial (IPCA) ficou em 4,64% no mesmo período. Isso reforça um cenário de descompasso entre valorização imobiliária e o poder de compra da população.
Em paralelo, os lançamentos de imóveis compactos, que cresceram significativamente na última década para atender à demanda de jovens urbanos e famílias menores, agora enfrentam um cenário de saturação e competição acirrada.
Esses dados sugerem que o mercado tradicional, centrado na venda de unidades físicas, enfrenta desafios para atender às expectativas de um consumidor mais exigente e conectado.
A mudança nas preferências dos compradores, aliada à saturação de determinados segmentos, indica a necessidade de novas abordagens no mercado imobiliário. Mas o que está por trás dessa mudança?
1. Mudanças de comportamento dos consumidores
A urbanização acelerada e a reconfiguração demográfica estão redesenhando as prioridades habitacionais. Em 2025, mais de 56% da população brasileira vive em áreas urbanas, segundo projeções do IBGE, o que intensifica a demanda por moradias próximas a centros de trabalho, serviços e lazer.
Millennials, aposentados em busca de praticidade e famílias menores – muitas vezes compostas por uma ou duas pessoas – priorizam flexibilidade e acesso a experiências em vez da posse tradicional de imóveis.
Essa mudança reflete uma geração que vê a moradia como parte de um ecossistema de conveniências, e não apenas como um ativo fixo. A informalidade no mercado de trabalho, que atingiu 39% da força laboral brasileira em 2024 (segundo o IBGE), e a mobilidade profissional – com 41% dos millennials dispostos a mudar de emprego em até dois anos, conforme a Euromonitor – reforçam essa busca por soluções habitacionais mais fluidas.
2. Transformações estruturais na cadeia imobiliária
Paralelamente, a digitalização está revolucionando a forma como o mercado imobiliário opera. Plataformas tecnológicas como QuintoAndar, Loft e startups emergentes têm simplificado processos de locação, venda e gestão de imóveis, reduzindo custos e aproximando oferta e demanda.
De acordo com dados do Mapa das Construtechs e Proptechs 2024, as startups na categoria de “Propriedade em Uso” já representam 18% do ecossistema brasileiro. E seguem em amplo crescimento ano a ano.
A tokenização de ativos imobiliários via blockchain, por exemplo, já permite que pequenos investidores participem de empreendimentos antes acessíveis apenas a grandes capitais, democratizando o acesso e aumentando a liquidez no setor.
Essa transformação também atraiu o olhar de investidores institucionais. Fundos de investimento imobiliário (FIIs) no Brasil captaram R$ 18,2 bilhões em 2024, um crescimento de 9% em relação ao ano anterior, segundo a B3.
Esses fundos, focados em ativos de renda recorrente como galpões logísticos e prédios residenciais para locação, sinalizam uma mudança de paradigma: o mercado está migrando da valorização especulativa para a geração de fluxo de caixa estável.
A combinação de tecnologia e novos modelos de negócio está, assim, redefinindo como os imóveis são concebidos, geridos e monetizados.
Residence as a Service (RaaS): nossa aposta para o setor
Nesse contexto de transição, o modelo Residence as a Service (RaaS) surge como uma resposta estratégica às demandas do consumidor moderno e às oportunidades de mercado.
Diferentemente da venda ou do aluguel tradicional, o RaaS posiciona a moradia como um serviço integrado, indo além do espaço físico para oferecer uma experiência completa.
Imagine um edifício residencial onde o morador tem acesso a serviços sob demanda – como limpeza, lavanderia, manutenção preventiva e concierge digital –, além de espaços compartilhados como coworking, áreas de lazer, academias e até hubs de saúde e bem-estar.
Tudo isso pode ser contratado via aplicativo, com modelos flexíveis como pay-per-use ou assinaturas mensais.
O RaaS transforma imóveis em plataformas de receita multifacetada. Além do aluguel básico, proprietários e gestores podem monetizar serviços agregados, criando fluxos de caixa incrementais e recorrentes.
Um estudo da consultoria JLL de 2024 estima que prédios residenciais operados sob esse modelo têm valor por metro quadrado até 34% superior aos convencionais, graças à percepção de maior conveniência e à redução da vacância – que pode cair até 20%, segundo dados operacionais de empresas como a Charlie.
Para investidores, o apelo é claro: ativos com receitas diversificadas e estáveis tornam-se mais resilientes a crises econômicas e mais atrativos no mercado de revenda.
Como o RaaS impulsiona a rentabilidade do imóvel:
O potencial do RaaS vai além da teoria. Veja como ele impacta os resultados financeiros:
- Receita incremental e recorrente: Serviços personalizados, como assinatura de limpeza semanal ou acesso a coworking, geram faturamento contínuo, complementando o aluguel.
- Valorização imobiliária: A integração de tecnologia e conveniências eleva o valor percebido, com retornos que superam os de imóveis tradicionais em até 34%, conforme a JLL.
- Menor vacância: A oferta de serviços diferenciados aumenta a retenção de locatários, com taxas de ocupação que podem atingir 95% em prédios bem geridos.
- Receitas adicionais com serviços integrados: Monetização de parcerias com empresas de delivery, academias e clínicas locais diversifica as fontes de renda.
- Maior valor de revenda: Ativos com fluxos de caixa previsíveis atraem investidores institucionais, elevando o preço final em até 15% acima da média de mercado, segundo a ABRAINC.
Exemplos reais no Brasil
No Brasil, empresas como Liiv e Charlie já estão na vanguarda dessa mudança. A Liiv, com foco em operações digitais, eliminou custos fixos tradicionais – como recepções físicas e equipes de limpeza diária – e adotou serviços pay-per-use gerenciados por aplicativos.
Em 2024, a empresa reportou margens operacionais 25% superiores às de locações convencionais, mesmo em períodos de baixa demanda sazonal.
A Charlie, por sua vez, opera mais de 3.500 unidades em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, com planos de alcançar 10.000 apartamentos até 2026. Seu modelo de estadias prolongadas oferece yields entre 8% e 12% ao ano, atraindo tanto moradores quanto investidores.
A parceria entre Cyrela e HBR Realty é outro exemplo promissor. Em projetos como o mixed-use da Faria Lima, em São Paulo, unidades residenciais e comerciais coexistem sob gestão integrada, gerando sinergias que elevam os retornos a até 15% ao ano – bem acima da média de 6% dos fundos imobiliários tradicionais, segundo a B3.
Fora do Brasil, a WeLive (do grupo WeWork) testou o conceito nos EUA, combinando moradia com coworking e eventos comunitários, enquanto a Common, também americana, opera mais de 50 prédios com foco em aluguéis flexíveis e serviços agregados, alcançando taxas de ocupação acima de 90%.
Projeções para o futuro
O RaaS não é apenas uma tendência passageira; é uma evolução que alinha as expectativas dos consumidores às realidades econômicas e tecnológicas do século XXI.
No Brasil de 2025, com uma população jovem, urbana e digitalmente conectada, o modelo tem enorme potencial de crescimento. Dados da ABRAINC sugerem que, até 2030, cerca de 30% do mercado residencial brasileiro poderá operar sob modelos de locação com serviços agregados, como o RaaS.
E vale lembrar que, no Brasil, domicílios alugados já são a principal fonte de crescimento do mercado:
O (re)nascimento de um modelo mais dinâmico e adaptável
O modelo tradicional de compra e venda de imóveis não está apenas morrendo – ele está sendo substituído por algo mais dinâmico e adaptável.
O RaaS não é apenas uma tendência passageira; é uma evolução que alinha as expectativas dos consumidores às realidades econômicas e tecnológicas do século XXI. Para incorporadoras, investidores e gestores, a oportunidade está em repensar os imóveis como plataformas de serviços, e não como meros ativos físicos.
No Brasil de 2025, com uma população jovem, urbana e digitalmente conectada, quem souber surfar essa onda estará na frente da curva – capturando valor onde o mercado tradicional já não consegue chegar.

Eduardo Buzzi é formado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal de Santa Catarina, lider das áreas de research e de investimentos na Terracotta Ventures, onde estrutura operações de Venture Capital, Private Equity e Financiamento Imobiliario em teses inovadoras, como Real Estate Fintech, Real Estate as a Service e Construção Offsite.

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