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ARTIGO | Existe sobreoferta na multipropriedade?
POR FRANCISCO COSTA NETO – Ex-CEO da Aviva e introdutor do conceito de timeshare no país
O mercado de multipropriedade vem crescendo a uma média de 26% nos últimos três anos (2017-2019) e a previsão dos números de 2020 aponta para expansão de 15% a 20% – mesmo na maior epidemia da história. Talvez, por esta razão, recebo dos agentes de mercado, com uma consistência incrível, a mesma pergunta: o segmento de multipropriedade já está saturado?
A indagação é completamente validada e busca uma visão racional de algo que parece crescer irracionalmente. Entretanto, como seres humanos, a nossa busca pela realidade é biologicamente ingrata, porque somos comprovadamente cognitivamente suscetíveis ao otimismo. Temos o que se chama de “viés de otimismo”, termo da economia comportamental que significa a tendência de as pessoas superestimarem a probabilidade de eventos positivos e subestimarem a probabilidade das ocorrências negativas que poderão acontecer com elas no futuro. Portanto, peço que, ao entrarmos nessa discussão sobre multipropriedade, pelo menos este fator seja reconhecido.
A pergunta também é pessoalmente importante para mim, sendo um dos maiores responsáveis por ter trazido o conceito de timeshare (direto de uso) para o Brasil, em 1999, indústria inicial que gerou sua irmã mais nova, a multipropriedade (direto real de propriedade). Portanto, sinto-me na obrigação de me posicionar em relação ao possível cenário futuro usando todos os exemplos da história em outros mercados mais evoluídos, aliado aos contextos mercadológicos e sociológicos na era pós-Covid no Brasil.
Sendo assim, afirmo que temos que ser mais realistas em relação à taxa de crescimento nos próximos 10 anos, e esta é a minha posição. Porém, sendo um agente dessa indústria, venho a propor também soluções para que possamos continuar avançando a um ritmo menor, mais ainda acima do PIB (Produto Interno Bruto), tarefa fácil por sinal, já que o nosso país avançou cumulativamente zero nos últimos 10 anos.
Seguem alguns dos fatores que contribuem para que o crescimento de dois dígitos esteja ameaçado no modelo de desenvolvimento atual:
- O produto concorrente (timeshare) cresceu 200% nos 10 anos e continua em expansão. Ou seja, ele já consumiu uma base de clientes, e assim continuará, e existe uma intercessão entre os dois mercados.
- O crescimento não regulamentado, com práticas de vendas ruins e a baixa qualidade do produto, ainda que sejam fatores mais evidentes no primeiro ciclo de empreendimentos, afetam a expansão da indústria. Ressalvo que, infelizmente, muitas dessas práticas continuam até hoje.
- A maior parte das cidades de grandes destinos turísticos de família já está projetando saturação pela quantidade de projetos.
- Não existe diferenciação de produto e o foco é quase somente no consumidor A-/B-, gerando uma competição por um só tipo de cliente, muitas vezes em um só local.
- A falta de fiscalização aliado a práticas pouco sustentáveis de alguns players do mercado podem trazer uma onda de restrições de órgãos reguladores, criando assim um risco sistêmico para todo o segmento.
- O crescimento sem conteúdo ou entretenimento de qualidade – que atrai novos clientes – é insustentável. Portanto, empreendimentos sem tráfego renovado serão altamente impactados no final da curva de vendas.
- Existe pouca ou nenhuma solução financeira para acelerar os investimentos de pré-desenvolvimento (equity) para projetos, limitando os lançamentos aos poucos que têm acesso a capital.
- A barreira regulatória de tempo de licenciamento no Brasil impõe projetos a uma janela de lançamento muito longa, na qual hábitos e oferta podem mudar.
- Real Estate é cíclico. Já vimos este filme de superoferta antes: Las Vegas nos anos 2000 e Orlando em 2008. Por que Caldas Novas (GO) e Olímpia (SP) seriam diferentes?
- O juro real vai subir a médio prazo no mundo e, no Brasil, isso prejudicará novos projetos.
- E, por último, o argumento de que a multipropriedade é “bom investimento”. Neste caso, pare agora der ler este artigo, vá à sala de vendas e explique a quem estiver vendendo o produto como essa promessa de que ele ou ela está cometendo um crime contra o sistema financeiro – e, por sua vez, você também.
Com todo esse pessimismo ou realismo, o que deveríamos fazer para o futuro ser um pouco melhor? A boa notícia é que o futuro de nossa indústria está em nossas mãos, mas temos que redirecionar para onde e como devemos crescer. Neste sentido, acredito em empreendimentos que:
- Estejam focados em novos segmentos e categorias, como alto padrão e luxo (sim, há espaço) ou afinidades de grupos (esportes, gastronomia e natureza, por exemplo).
- Sejam localizados em destinos “privados” onde você controla o conteúdo e mais importante, a oferta. Sim, a Disney continuará vendendo algum tipo de real estate compartilhado dentro da Disney por muito tempo. Atualmente, quase a totalidade de projetos no Brasil dependem de terceiros onde o ‘destino do destino’ não é controlado e, por sua vez, a oferta também não.
- Sejam focados em natureza com alto crescimento de PIB. Destinos a serem desenvolvidos em novas fronteiras – especialmente próximos ao PIB agrícola – onde temos e teremos crescimento constante de renda.
- Ofereçam um produto completo e, neste caso, três coisas serão essenciais: 1) alta qualidade física; 2) experiência: o mercado já começou a corrigir ou prometer corrigir este gap; 3) ter um componente de loyalty aliado a digital, que, neste caso, vi pouca evolução até o momento.
- Sejam ESG (Environmental, Social and Corporate Governance). Tudo será ESG ou não será.
Por fim, faço um apelo para darmos início à autorregulação na multipropriedade, eliminado as práticas e players que vão contra o que acreditemos ser um novo ciclo crescimento sustentável para uma indústria que veio para ficar.
Francisco Costa Neto é ex-CEO da Aviva, que possui os destinos Rio Quente e Costa do Sauípe, além de um dos maiores parques aquáticos do mundo, o Hot Park. O empresário é também um dos responsáveis por implementar o conceito de Timeshare no Brasil e por promover a cadeia do turismo brasileiro.
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