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Artigo: Big-Data no desenvolvimento urbano: produtividade e possibilidades para o mercado imobiliário no Brasil
Eu sempre digo que a melhor maneira de explicar o Big-Data passa por uma simples constatação: desde o início da civilização até o ano de 2003, pesquisas apontam que geramos mais de 5 mil hexabytes de dados – o que é muita coisa. Hoje essa mesma quantidade de dados é gerada em apenas 2 horas.
Para aplicar esses dados de forma inteligente no desenvolvimento das cidades há uma série de obstáculos. Existem muitos dados disponíveis, porém em formatos ainda subliminares, latentes; eventualmente podem parecer não ter vínculo imediato com a finalidade desejada e isso exige de quem interpreta uma visão ainda mais inventiva e holística do processo como um todo.
O principal desafio, no entanto, reside em aceitar que não existe uma fórmula única para lidar com aplicação de dados, seja no setor imobiliário, no mercado de ações, na área médica, ou em qualquer outro segmento.
Além disso, utilizar Big-Data para desenvolvimentos urbanos não é a “invenção da roda”; isso já é rotina na América do Norte, Europa, Ásia. Infelizmente (ou não) importar estes modelos existentes em outros países para um país de proporções continentais e tão diverso como o Brasil não parece ser suficiente. Nestas regiões pioneiras promessas de um aplicativo perfeito, que sirva a qualquer “dor”, de qualquer cliente, em qualquer lugar, também fracassaram; a prosperidade aparece em modelos pautados por uma técnica estrutural genérica capaz de ser customizada de forma específica e consistente dentro de universos peculiares, quase únicos.
Em outras palavras, não existe a mágica de apertar um botão e tudo resolvido; trata-se de um processo de construção de sentido, e não do entendimento pleno – já que o entendimento humano pleno não se aplica a cenários de alta complexidade. Trabalhar com dados é trabalhar como o DNA das coisas (complexas, não complicadas) num domínio que não é apenas geométrico ou topológico, mas essencialmente meta dimensional. Ao mesmo tempo, dados em si não carregam significado, são apenas símbolos, traduções, códigos – o maior valor agregado vem de sua articulação (informação) e consequentes experiências aplicadas (conhecimento).
BENEFÍCIOS DAS MÁQUINAS
A grande diferença não está somente no uso do Big-Data em si. É importante ressaltar que o trabalho de ciência urbana orientada por (grandes) dados via plataformas de inteligência digital algorítmica (georreferenciamento, paramétricas, inteligência artificial, etc) oferece inputs complementares aos insights humanos oriundos do feeling, expertise e pesquisas analógicas convencionais. Sendo assim, uma comparação direta entre um projeto big-data e não big-data acaba criando uma polarização equivocada ou improdutiva. Acho mais interessante pensar num tripé sinérgico composto pela expertise humana, pesquisas analógicas e pesquisas por máquina.
De qualquer forma, o trabalho orientado por máquinas via big-data oferecem algumas possibilidades interessantes: a primeira é oferecer lastro científico e mais objetivo a condições específicas que antes seriam legitimadas apenas de forma muito subjetiva – isso pode auxiliar muito na articulação entre “stakeholders” com interesses distintos, já que a base de dados é mais factual e neutra.
Outro aspecto valioso da pesquisa por grandes dados é o fato de poder avaliar situações ao longo do tempo e construir cenários futuros consistentes – não por projeções lineares, mas por evolução de padrões complexos; isso pode auxiliar a enxergar possíveis vetores de desenvolvimento urbano latentes ainda não percebidos, ou então determinar setores com maior e menor risco para desenvolvimentos específicos.
Por fim, a articulação de dados complexos por máquinas computacionais pode oferecer insights ainda não percebidos (por conta das limitações cognitivas humanas) fomentando inovações urbanas disruptivas, ou melhor, gnomônicas (não só inovadoras, mas reveladoras).
BRASIL, BIG DATA E PROBLEMAS COM SOLUÇÃO VIA HYPER-DATA
O trabalho com big-data não tem fronteira, escala, dimensão, classe social… Pode e deve ser utilizado em qualquer contexto complexo. Sendo assim, acredito que no Brasil poderíamos construir plataformas integradas para entender a dinâmica de crescimento dos territórios urbanos para as próximas décadas. Isso permitiria estruturar negócios e investimentos públicos de uma maneira mais eficiente e concentrada em regiões com maior potencial, mas também nas regiões mais traumáticas em termos de performance.
Outra questão interessante seria utilizar modelos hyper-data no planejamento das nossas infra-estruturas de transporte em seus vários modais: isso poderia ter auxílio imediato nas articulações de fluxos distintos e gerar direcionamentos de longo prazo para centralidades urbanas, de uma forma integrada e com soluções dinâmicas, quase em tempo real.
Imagino também que poderíamos utilizar os grandes dados para otimizar a ocupação espacial urbana do país. Quem sabe substituindo os próprios planos diretores – ferramentais muito simplórios para lidar com fatores tão dinâmicos, complexos, temporais – por uma plataforma digital big-data vinculada a redes neurais que sugiram melhores distribuições de uso, adensamentos, articulações infra-estruturais, etc…
BIG DATA E PERSONALIZAÇÃO
A inteligência algorítmica digital deve ser um instrumento e não uma ferramenta. A utilização de uma ferramenta pressupõe basicamente um padrão de uso sistêmico, mecânico. Instrumentos, no entanto, demandam técnicas específicas, porém estruturais, onde cada agente desenvolve formatos exclusivos de aplicação, ainda que para uma mesma finalidade.
Existem algoritmos desenvolvidos para criação de geometrias de alta complexidade formal em projetos de arquitetura e design de móveis, por exemplo.
Este mesmo dispositivo pode ser transformado num instrumento que simula o campo de percepção espacial de um ser humano. Se aplicarmos este instrumento aos fluxos de micro mobilidade urbana (como fizemos na cidade de Amstelveen, na Holanda) podemos construir diagramas analítico-temporais de densidade de percepção, identificando os lugares da cidade percebidos com maior ou menor intensidade, auxiliando empreendedores ou o poder público a definir distribuições de usos específicos no território das cidades.
Neste caso pudemos descobrir quais as esquinas e ruas com maior exposição visual ao longo de um ano e também por que algumas lojas não conseguem prosperar, uma vez que estão em regiões de movimento intenso, porém fora do raio de percepção principal dos pedestres circulantes.
Resumindo, os dados podem nos auxiliar na tomada de decisões complexas, legitimar o feeling de forma mais objetiva, apontar para insights que revelem descobertas e criar lastro de análises temporais, não apenas do passado recente, mas de prováveis futuros.
Carlos Marchii – Arquiteto e cientista urbano fundador da Allower. Atua há mais de 10 anos no mercado imobiliário de Angola e China com projetos híbridos. Leciona e pesquisa sobre ciência urbana digital aplicada ao desenvolvimento urbano pela Universidade Técnica de Viena (TU Wien), na Áustria, e no departamento ATTP – em parceria com o Instituto de Tecnologia Suíço (ETH). Esteve envolvido nos últimos anos com o escritório holandês Posad Maxwan, onde desenvolveuum trabalho extenso sobre “healthy urbanism”, ou urbanismo para a saúde, utilizando estratégias de desenvolvimento totalmente data-driven.
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