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Artigo| A reinvenção da ADIT Brasil
A partir de 2011 e 2012 a ADIT iniciou, definitivamente, uma nova fase. Mais do que se adaptar, foi preciso se reinventar. O mundo que tinha gerado a ADIT tinha deixado de existir.
O mercado internacional de segunda residência, berço da entidade, não existia mais.
Com a nossa decisão de não mais captar recursos com o poder público, o nosso grande evento anual para mais de 1.000 pessoas com seminário, rodada de negócios e exposição não parava de pé.
Resolvemos, então, realizar diversos eventos menores e focados. O princípio por trás de tudo isso, é que esses eventos deveriam focar em dois ingredientes básicos: conteúdo e network.
A minha tese era de que, no final das contas, era isso o que as pessoas procuravam nos eventos. Com essa convicção, cortamos todos os custos possíveis, incluindo até canetas e pastas dos eventos.
Essa estratégia também fazia sentido porque com um grande evento anual de dois a três dias não conseguíamos abordar com profundidade a miríade de assuntos de todos os setores em que atuávamos. Os temas jurídicos, por exemplo, que só tinham duas ou três palestras no NORDESTE INVEST ou no ADIT INVEST passaram a ter dois dias completos de palestras. A qualidade do conteúdo passou a ser outra.
Foi com essa idéia na cabeça que criamos o COMPLAN, nosso seminário sobre comunidades planejadas e desenvolvimento urbano. Nós já estávamos familiarizados com o tema, pois a grande maioria dos projetos que gravitavam em torno da ADIT no Nordeste eram grandes complexos imobiliários e turísticos, o que nos levou a conhecer e visitar algumas das principais comunidades planejadas do mundo, seus developers e arquitetos.
Assim, começamos a promover esse conceito também para o mercado imobiliário nacional e não só para o turístico. E as coisas começaram a pegar tração. Foi no ADIT Invest de Fortaleza, em 2011, que começamos a perceber que o apetite do mercado por esse produto era grande. Fizemos um painel de comunidades planejadas que foi o de maior audiência do evento.
Ali começamos a perceber que algo estava acontecendo e que comecei a pensar na organização de um evento sobre o assunto, mas a ficha realmente caiu em São Paulo, onde em apenas um dia me foram apresentados cinco diferentes projetos de comunidades planejadas pelo Brasil, indo do Rio Grande do Sul ao Pará. E o pior é que aquelas pessoas não tinha a menor noção do que estavam fazendo e do modelo de negócio de uma comunidade planejada.
Foi assim que resolvemos criar o COMPLAN.
Uma coisa interessante foi a definição do nome, pois todos os eventos da ADIT tinham e têm o seu nome, mas achamos o nome COMPLAN tão sonoro e adequado que acabamos adotando-o. Chegamos até a definir em Conselho pela mudança para outro nome, mas COMPLAN já tinha pegado.
Liguei então para Andrea Druck, de Jurerê Internacional, e falei que iríamos fazer um evento inteiro sobre comunidades planejadas lá em Jurerê. Ela brincou comigo se eu estava louco porque só existiam no Brasil Jurerê e a Riviera de São Loureço. Até hoje rimos disso.
Felizmente, tudo correu bem e tivemos mais de 100 participantes no primeiro COMPLAN em 2011, em Jurerê. O evento foi um marco, unindo pela primeira vez essa indústria até então dispersa.
Durante o evento fizemos uma visita técnica à Cidade Pedra Branca, então em sua fase inicial de adensamento e consolidação. Dá gosto de ver no que ela se transformou. Tudo nascido do sonho, da visão e da paixão do Valério Gomes, que está implantando os melhores conceitos do urbanismo mundial em Palhoça/SC, demonstrando o quanto o setor privado pode contribuir para termos cidades melhores.
Durante esses anos de COMPLAN e demais ações como missões técnicas, livros e cursos, conseguimos deixar um grande legado para o Brasil.
Conseguimos conscientizar milhares de empresários, arquitetos e funcionários públicos sobre as melhores práticas do urbanismo e como os próprios empresários podem ser agentes de mudança das cidades e muitas vezes o poder público, com suas regulações arcaicas e carregadas de ideologia, impede que as cidades sejam feitas para as pessoas.
Outro evento que criamos nessa fase foi o ADIT Share, outro grande sucesso. Desde o início da ADIT que gravitávamos em torno do timeshare, com a RCI tendo um importante papel na sua disseminação no Brasil.
Porém, nos anos 2000, o tempo compartilhado ainda era um conceito visto com desconfiança pelos empresários. De um lado, haviam existido alguns casos negativos entre as décadas de 80 e 90. De outro lado, ninguém queria pagar para ver.
Eu mesmo demorei anos até entrar no negócio, mas nesse período vi a indústria amadurecer fortemente. Haviam casos de sucesso, como Rio Quente e Beach Park, que por sua vez geraram um grande número de profissionais para a indústria. Softwares foram desenvolvido, dúvidas tributárias esclarecidas e consultorias se estabeleceram.
Com o timeshare também acontecia de ele ter apenas um painel ou no máximo dois nos grandes eventos da ADIT. Assim, pensamos em testar o apetite do mercado realizando uma mistura de missão técnica e seminário em agosto de 2013, no Rio Quente Resorts, em Goiás.
Foi um grande ponto de partida para o setor. Todo mundo que atuava ou queria atuar compareceu. Se ainda não tinha o tamanho que passou a ter nos anos posteriores, os mais de 100 participantes já sinalizavam que mais uma vez tínhamos conseguido captar a temperatura do mercado e levantar uma bandeira que estava solta. Nos anos seguintes, o evento e a atuação da ADIT no setor cresceram muito, com a entidade se consolidando como a sua representante no Brasil.
Naquela oportunidade o primo do timeshare começava a dar os seus primeiros passos. Conhecida, então, como fractional, fracionado ou cotas imobiliárias, a multipropriedade estava sendo inventada em Caldas Novas.
Com o mercado imobiliário em baixa e o estoque de flats em alta, os empresários locais que também trabalhavam com timeshare tiveram a idéia de aplicar o conceito do timeshare nos apartamentos. Deu mais do que certo e iniciou umas das grandes histórias de sucesso dos mercados imobiliário e turístico.
Para quem quiser conhecer melhor essa história, escrevi esse texto sobre a multipropriedade no Brasil.
Desde o primeiro ADIT Share, o evento e o setor cresceram e se consolidaram enormemente mudando a cara do turismo no Brasil. Hoje, a grande maioria do desenvolvimento de resorts e hotéis de lazer no Brasil têm o timeshare ou a multipropriedade com componentes-âncora.
Junto com outras ações, como lançamento de livros e cursos, conseguimos ajudar a organizar e profissionalizar o setor, evitando que acontecesse no Brasil a mesma coisa que aconteceu na Europa, onde alguns excessos acabaram com a indústria.
Para isso, sempre nos preocupamos em trazer empresários e líderes do setor do México e EUA para dividir suas experiências conosco, incluindo não só os sucessos, mas também os erros cometidos por esses mercados.
As iniciativas do SECOVI/SP, através do Caio Calfat, para a elaboração do Manual de Melhores Práticas e da Lei de Multipropriedades, mudaram a cara do setor e sempre contaram com a parceria da ADIT.
Um terceiro evento que criamos e que também teve um grande impacto no mercado imobiliário brasileiro foi o ADIT Juris. Ele nasceu do fato de que o maior desafio dos empreendedores ligados a ADIT era que seus projetos estavam muito à frente da legislação. Eram complexos de uso misto e imobiliários-turísticos, comunidades planejadas, multipropriedade, timeshare, licenciamento ambiental ou investimentos imobiliários que contavam com a grande criatividade dos advogados para ficar de pé, já que não havia legislação que os aparasse inteiramente.
Queríamos colocar os advogados realmente atuantes no mercado imobiliário para trocar experiências e dividir soluções jurídicas. Daí que veio o nome de ADIT Juris – Seminário de Soluções Jurídicas para o mercado imobiliário.
Para isso, contatamos as empresas e pedimos a elas que indicassem seus advogados e escritórios jurídicos. Nosso foco não eram os acadêmicos, mas aqueles que realmente faziam o mercado na prática, tanto que uma das nossas inovações foi a apresentação de cases jurídicos de empreendimentos imobiliários.
Outro grande objetivo era dar vez e voz aos talentos que existiam por todo o Brasil, mas que não eram reconhecidos nacionalmente por atuarem fora do eixo Rio-São Paulo, como é o caso da minha amiga Rita Martins. Minha satisfação é imensa quando vejo alguns desses advogados não só valorizados, mas com clientes em todo o Brasil.
Mas o maior legado do ADIT Juris foi o de ter sido o berço do IBRADIM, o Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário, que apenas dois anos após a sua fundação já reúne aproximadamente 1.500 integrantes de todo País, fruto de uma liderança diferenciada dos amigos André Abelha, Bernardo Chezzi e Olivar Vitale, entre tantos outros. Como eu disse no seu lançamento no ADIT Juris de 2018, o mercado imobiliário vai ser dividido em antes e depois do IBRADIM.
Outra inciativa de muito sucesso nesse período foram as missões e visitas técnicas que realizamos, com destaque para as de comunidades planejadas dentro e fora do Brasil.
Realizamos várias missões técnicas para os Estados Unidos, onde visitamos empreendimentos na Flórida, Alabama, Geórgia, Carolina do norte e Carolina do sul. Organizamos seminários e cursos com alguns dos maiores nomes do urbanismo mundial da Universidade de Miami, além de termos participado de várias edições do CNU – Congresso do Novo Urbanismo.
Já na Europa, voltamos a visitar Portugal duas vezes e realizamos missões técnicas para a Inglaterra e Escandinávia.
No Brasil, fizemos várias visitas técnicas às melhores comunidades planejadas e loteamentos do Brasil.
As missões e visitas técnicas que realizamos são as ações que mais gosto. São verdadeiras experiências de vida que os participantes nunca esquecem. Nelas sãos forjadas amizades para o resto da vida, realizados muitos negócios e voltamos a viver um pouco do espírito juvenil, viajando de ônibus e convivendo por vários dias com as mesmas pessoas.
Aprendi que as melhores lições que temos nas missões técnicas acabam nãos sendo dos empresários e especialistas internacionais que visitamos, mas dos próprios brasileiros que viajam conosco. Cada participante tem uma experiência de vida e expertise diferentes e os bate-papos e reuniões durante essas viagens são um grande aprendizado para todos.
Outra iniciativa marcante desse período foi a criação do Prêmio Legado ADIT – Uma vida que vale à pena ser vivida, onde homenageamos grandes nomes dos setores em que atuamos, como Luiz Carlos Pereira de Almeida, da Sobloco/Riviera de São Lourenço, Péricles Druck, da Habitasul/Jurerê Internacional, Renato Albuquerque, do Alphaville, Romeu Chap Chap, do Secovi/SP, Roland de Bonadona, da Accor e Sylvio Capanema e Marcelo Terra, mestres do direito imobiliário.
Desde a sua criação a ADIT passou por diversos e variados desafios. Conseguiu superar todos e crescer na adversidade, demonstrando uma grande capacidade de adaptação às inevitáveis mudanças e ameaças que sempre surgem na vida de qualquer organização. Teve também o mérito de conseguir antever tendências e enxergar além da curva, atuando com importantes setores dos mercados imobiliário e turístico que não estavam sendo representados por nenhuma entidade.
As conquistas foram muitas, mas uma da qual me orgulho especialmente foi o descobrimento de talentos alagoanos. Em algum momento fizemos um experimento trazendo para o time experimentados executivos do eixo Rio-São Paulo, mas a tentativa foi um fiasco. Falta de comprometimento, agenda própria, autopromoção e desconhecimento da cultura da ADIT foram alguns dos problemas.
Essa experiência só demonstrou a importância de investirmos na turma de Alagoas. Eu tinha convicção de que haviam muitos talentos fora das grandes capitais e o que faltava era a oportunidade de eles desabrocharem.
Felizmente, a minha tese se provou correta e até hoje várias gerações de profissionais já passaram pela ADIT sempre mantendo o mais alto nível, sem dever nada a qualquer equipe nacional ou internacional. Ao contrário, foram vários os casos de entidades que nos procuraram para saber como conseguíamos fazer tanto com tão pouco. Um outro efeito colateral é o constante assédio do mercado, inclusive associados e concorrentes, em relação aos nossos colaboradores.
Assim, foi com sentimento de dever cumprido e com a certeza de que a entidade estava madura para caminhar com suas próprias pernas que passei ao Caio Calfat a presidência da ADIT em 2019, depois de 13 anos à sua frente. A entidade estava no auge, tanto financeiramente, quanto em termos de visibilidade e representatividade.
Muitas pessoas me perguntavam porque eu estava fazendo isso nesse momento tão bom e eu respondia que era exatamente por isso que eu estava passando a bola para frente.
O meu plano sempre foi ficar dois ou no máximo quatro anos à frente da entidade, mas as diversas crises e os apelos dos colegas do Conselho de administração foram sempre fazendo eu ficar. Não gosto de entidades que têm presidentes que se perpetuam à sua frente. Nunca tive necessidade ou vontade de exposição ou poder. Talvez isso tenha sido parte do sucesso e da coesão da entidade.
Durante todo esse tempo a ADIT e o Felipe se confundiam. Talvez tenha sido necessário naquele momento, mas agora é chegada a hora do filho deixar o lar e seguir com sua própria vida, tomando suas decisões, errando e acertando. Continuarei dando conselhos, como Presidente de honra, mas novas gerações chegarão, levando-a a novas dimensões.
Meu sonho é que a ADIT construa a sua história e que daqui há algumas décadas eu seja apenas mais um dos nomes, entre tantos, que contribuíram para ela ser uma grande entidade nacional. Nesse momento estarei realizado.
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