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A lei do distrato: particularidades para incorporação e loteamentos
Ao preparar as engrenagens para a chegada de um novo ano, 2018 fincou, aos 45 do segundo tempo, uma vitória para o setor imobiliário. A Lei 13.786/18, conhecida como Lei dos Distratos, aprovada em 27 de dezembro de 2018, firma o texto legal que estabelece as regras para a resilição de contratos de imóveis “na planta”.
Tencionando sanar dúvidas que surgem sobre a nova legislação, a ADIT Brasil entrou em contato com alguns dos mais conceituados advogados especializados em direito imobiliário no Brasil, que explanaram sobre o que implica a aplicação da lei, tanto para o empreendedor, quanto para o comprador.
Como funcionava e o que mudou
Precedente à nova lei, cada contrato possuía suas regras individuais específicas referentes aos valores de devolução. Contrapondo-se às cláusulas contratuais estabelecidas no processo de compra, o consumidor entrava com ação judicial a fim de estabelecer um acordo diferente. Mediante a falta de uma legislação que estabelecesse uma regra geral, a jurisprudência verificada posterior a lei indicava percentuais de retenção que variavam de 10% a 25%.
“Anteriormente, todos os conflitos sobre esses pontos eram regulados por decisões judiciais individuais, que embora contem com determinados parâmetros, não possuem caráter vinculante. Com a nova lei, a tendência é que os critérios nela estatuídos sejam sempre aplicados, dirimindo maiores conflitos”, explica Paula Prada, associada do escritório Eichenberg e Lobato Advogados Associados.
Em síntese, a nova lei exige que seja apresentado um quadro resumo com as condições mais relevantes do contrato, dá ao comprador direito ao arrependimento por sete dias, contados a partir da assinatura do contrato no estande de vendas ou fora da sede da incorporadora, aborda a reparação das perdas e danos por quebra da promessa e da restituição de quantias ao comprador.
A Lei dos Distratos estabelece percentuais limites de retenção dos valores pagos pelo comprador. Para os contratos de incorporação, quando não houver patrimônio de afetação, a retenção é de até 25%. Entretanto, quando a incorporação estiver no regime de patrimônio de afetação, o percentual pode chegar a 50%. Já para a Lei de Loteamentos, este percentual fica limitado a 10%.
Segundo Kelly Durazzo, sócia da Durazzo Advogados, há expectativa que, com a legislação vigente, sejam reduzidas o número de ações judiciais. “Hoje sabemos que há uma avalanche de ações judiciais, então talvez haja uma flexibilização de ambas as partes buscando um acordo amigável, não precisando socorrer-se ao Poder Judiciário, diminuindo o número de demandas no país. Vejo que o intuito da lei é esse, inclusive. O Brasil é um país que tem muitas ações judiciais. Temos em torno de 200 milhões de habitantes e aproximadamente a metade deste número em ações judiciais”, afirma.
Os dados referidos por Durazzo fazem parte de levantamento divulgado pelo Relatório de Justiça em Números de 2018, o qual aponta que 80 milhões de processos diversos tramitavam no Judiciário, só no ano de 2017.
Para Bruno Aronne, associado da Veirano Advogados, que mediará o painel “Novas perspectivas para incorporação imobiliária com a Lei 13.786/2018” na 8ª edição do ADIT Juris, o posicionamento jurisprudencial vigente, até então, estava relacionado à súmula 543 junto a outros precedentes do Superior Tribunal de Justiça, que têm por seu caráter um texto curto. “Isto gerou um tratamento igual para adquirentes em situações diferentes. Promitentes compradores com um grau de inadimplência muito baixo em um respectivo contrato, foram tratados de maneira exatamente igual a adquirentes muito inadimplentes. Esse percentual entre 10% e 25% acabou gerando distorções na solução dos casos junto ao judiciário”, certifica Aronne.
Com o estabelecimento das novas regras, o advogado acredita que “o legislador dá uma margem maior para o juiz estabelecer um percentual de retenção conforme o caso concreto, na medida que verá qual o grau de retenção justo, considerando o nível de informação que o adquirente tinha e quanto de previsibilidade foi dado no contrato”.
Sergio Parisi, sócio-advogado da Almeida e Associados, acrescenta, ainda, que a Lei veio “melhor disciplinar as relações contratuais relativamente aos distratos mediante cláusulas específicas a serem exaradas necessariamente no quadro-resumo das condições contratuais, passando a ser obrigatório para os contratos referentes à comercialização dos imóveis decorrentes de incorporações ou loteamentos”.
Outra alteração destacada por Paula Prado para a Lei de Incorporações se dá no estabelecimento da prorrogação do prazo de entrega do imóvel em até 180 dias. “Após isso, fixou-se o percentual de 1% sobre o valor total pago pelo comprador por mês de atraso, como indenização ao comprador. Ou ainda, a rescisão do contrato com restituição integral dos valores pagos”, acrescenta.
Especificações sobre loteamentos
Ao aplicar alterações em duas leis distintas, a Lei 13.786/18, por sua vez, apresentou divergências entre os casos de incorporações e loteamentos. No caso da aquisição unidades imobiliárias em parcelamento de solo urbano, há uma diferença clara entre valores e prazos estabelecidos. Com ampla experiência dentro do mercado de loteamentos, Kelly Durazzo, que abordará com profundidade o tema no painel “Aplicação da nova lei dos distratos nos loteamentos” no próximo ADIT Juris, destaca a desvantagem enfrentada pelo setor em relação às incorporações.
“Em loteamento, a cláusula penal é limitada a 10%. Essa diferença não faz muito sentido. Há também um item na parte final do artigo 26-A, inciso XI, que dispõe que os loteadores devem incluir no quadro resumo do compromisso compra e venda a data do protocolo do pedido de emissão do termo de vistoria de obra (TVO). Entretanto, essa data é impossível de se obter no momento inicial das vendas do loteamento, já que a data do referido protocolo só será obtida com a conclusão das obras de infraestrutura do mesmo, o que poderá levar até 4 anos, a depender do cronograma de obras aprovado junto à Prefeitura Municipal. É impossível entender e cumprir isso”, explica.
À parte disso, a advogada vê mudanças positivas aplicadas para ambos os setores no caso dos pedidos judiciais de distratos, como, por exemplo, no prazo para devolução dos valores pagos. Para incorporação, quando submetido ao regime de afetação, prazo máximo é de 30 dias após o habite-se e, quando não submetido ao citado regime, o prazo é de 180 dias contados da data do desfazimento do contrato. No caso de loteamento, a restituição ocorrerá: 1. em loteamento com obras em andamento, no prazo máximo de 180 dias após a conclusão das obras; 2. em loteamentos com obras concluídas, no prazo máximo de 12 meses após a formalização da rescisão contratual. Durazzo fundamenta que tais prazos estabelecidos dão fôlego para que empreendedores possam provisionar a devolução das quantias pagas pelos compradores.
“As empresas não são instituições financeiras que têm dinheiro ‘em caixa’ para imediata devolução dos valores pagos, como vem sentenciando o Poder Judiciário. São empresas que fomentam uma importante atividade econômica no país e que estão com seu dinheiro comprometido para arcar com as obras dos seus projetos imobiliários”, afirma Durazzo.
Os distratos e o Código de Defesa do Consumidor
Quando interrogados sobre possíveis conflitos com Código de Defesa do Consumidor, os juristas contatados esclarecem que a lei foi estabelecida de forma harmoniosa. “Existem agora deveres rigorosos de informação e transparência para o incorporador e o loteador. O contrato deve ter um quadro resumo, as cláusulas penais destacadas em negrito com a assinatura do comprador ao lado delas. Então acredito que os deveres de transparência e informação estão reforçados com essa lei dos distratos. Ela vai na mesma linha dos princípios de defesa do consumidor”, atesta Bruno Aronne.
Sergio Parisi ressalta ainda que uma vez que o Artigo 53 do CDC proíbe a perda da totalidade das prestações pagas, como ocorre em diversos países, a lei continua em cumprimento do estabelecido. “A lei instituiu limites quanto à perda de valores pagos por conta do preço, em caso de resolução contratual. Os conflitos existirão quando as cláusulas contratuais importarem em violação das regras de proteção contratual e/ou estipulação abusiva, conforme previsto nos artigos 46 e 51 do CDC. Assim, a princípio, não nos parece haver conflitos”, conclui.
Segundo Paula Prado, ainda é importante atestar que “a lei ora comentada já prevê a necessidade da aquiescência do comprador com as cláusulas que se referem às penalidades, devendo elas ser redigidas à luz do CDC”.
No espectro de garantias já estabelecidas no Código, é notado o direito de arrependimento em até sete dias especificado também na Lei 13.786/18. “O que já está expresso no CDC e não precisava nem que estivesse descrito na lei dos distratos, entretanto a lei reforça esse direito. Entendo que a lei está totalmente em consonância com o CDC”, conclui Aronne.
Previsibilidade e Segurança
Uma nota técnica a respeito dos distratos divulgada pelo Ministério da Fazenda, em julho de 2018, indica um estudo comparativo entre a situação no Brasil e em países emergentes e desenvolvidos, como México, Espanha, Estados Unidos e Canadá. Nestes demais países, o percentual de retenção equivale ao total de 100% do valor pago, ocasionando, então, a perda total dos valores investidos até o momento da resilição. Estes paralelos, de acordo com o órgão, revelam a importância de manter a previsibilidade contratual em transações de compra e venda de imóveis.
Ainda no estudo divulgado pelo governo, foi notado aumento de 53% do volume de distratos aplicados no período de 2012 a 2016, decorrentes, em sua maioria, da crise econômica. Este fator é apontado pelo Ministério da Fazenda como um grande contribuinte para que o setor da construção civil tenha sido, dentre todos os setores, o que mais sofreu, acarretando na redução do estoque de trabalhadores em quase 30%.
A sanção da lei, além de empregar uma segurança jurídica evidente ao definir com precisão situações que antes não estavam previstas no ordenamento, traz também maior previsibilidade permitindo que os empreendedores estabeleçam graus de descapitalização. Paula Prado referencia que “segundo pesquisas realizadas pela ABRAINC/FGV, a maioria dos distratos eram oriundos de investidores, os quais compram algumas unidades do empreendimento e depois desistem do negócio, deixando a empresa com a maior parte do prejuízo, pois prejudicam seus fluxos de caixa”.
Para Kelly Durazzo, a expectativa é que as regras fomentem a atividade no setor, já sendo notado o aumento do interesse de clientes em novos lançamentos imobiliários. Além disso, poderá abrir a possibilidade de investimento estrangeiro notada a maior segurança jurídica.
A transparência implicada pela maior divulgação das novas regras também é pontuada por Bruno Aronne. “Essas mudanças foram muito divulgadas na imprensa. Então agora os compradores terão a oportunidade de refletir muito bem antes de assinar a compra, uma vez que terão conhecimento claro da consequência do seu eventual inadimplemento”, conclui.
ADIT Juris
Não há dúvidas que as mudanças significativas no judiciário deverão impactar significativamente o mercado imobiliário. Assim como os efeitos da Lei 13.786/18, diversos temas atuais serão abordados com profundidade pelos maiores nomes do direito imobiliário durante a 8ª edição do ADIT Juris – Seminário de Soluções Jurídicas para os Setores Imobiliário e Turístico – nos dias 1 e 2 de abril em Florianópolis.
Mais informações sobre o seminário estão disponíveis no site: www.adit.com.br/aditjuris/
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