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A importância das Comunidades Planejadas para o desenvolvimento urbano
“O sucesso do projeto estará muito baseado na sua estruturação jurídica.
São muitas variáveis que precisam estar amarradas desde a concepção do projeto.”
Luiz Augusto Pereira de Almeida é Diretor da Sobloco Construtora, uma das mais respeitadas e sólidas do país e que detém a rara patente de mais de 50 anos de atuação, se destacando pelo desenvolvimento de comunidades planejadas. Em seu rol de empreendimentos está a Riviera de São Lourenço, em Bertioga (SP), com área de 9 milhões de metros quadrados. Considerada o maior projeto de desenvolvimento urbano do litoral brasileiro, a Riviera é um bairro planejado que ocupa quase 2% do território da cidade. Apesar da reduzida extensão territorial em relação ao todo da cidade, o bairro é responsável por 50% da arrecadação de IPTU e emprega mais de cinco mil pessoas diretamente, além de outras milhares indiretamente. É, sem dúvida, um excelente case de sucesso a ser estudado.
Em entrevista à ADIT Brasil, Luiz Augusto narra ações para o desenvolvimento da Riviera, do cenário nacional de comunidades planejadas, sua relevância e táticas de implementação.
Como surgiu a Riviera de São Lourenço?
Luiz Augusto – Foi sobrevoando a praia de São Lourenço em 1979, que as empresas Praias Paulistas S.A e Cia Fazenda Acaraú, proprietárias da área, convidaram a Sobloco Construtora S/A, para urbanizar os 9 milhões de metros quadrados que compõem a Riviera de São Lourenço. O ponto de partida do Plano Urbanísticos começou com um traçado da malha viária, de autoria dos arquitetos Oswaldo Correa Gonçalves e Benno Perelmutter, obedecendo as diretrizes fornecidas pela Prefeitura do Município de Santos. Ao mesmo tempo em que iniciaram-se as obras, começaram também os estudos de mercado, a análise jurídica e o detalhamento dos demais projetos de terraplanagem, drenagem, rede de água, rede de esgotos e os complexos estudos oceanográficos e de detalhamento da marina. Era o começo de uma urbanização que levava em conta o respeito e a preservação do meio-ambiente.
Naquela época, as rodovias de acesso ainda não estavam prontas e a inauguração da Rodovia Mogi-Bertioga em 1982 agilizou o processo, já que a Rodovia Rio-Santos foi inaugurada apenas em 1985. O ano de 82 foi um marco importante para o empreendimento, já que contabilizava 20 quilômetros de ruas com guias colocadas, sem contar que a primeira estação de tratamento de água (com capacidade para tratar 20 mil litros por hora) já estava em construção e o sistema de paisagismo adiantado, contava com a importação de 8 mil mudas de coqueiros da Bahia em desenvolvimento no viveiro.
Com tudo isso, no ano seguinte, em 83, iniciou-se a comercialização dos primeiros terrenos no Módulo 5, hoje Coqueiros. Aos poucos foi crescendo também o número de casas em construção, assim como o comércio local. O primeiro segmento do Riviera Shopping foi inaugurado em janeiro de 1991, representando um importante passo no desenvolvimento do projeto.
Quais os principais desafios para um empreendimento de longa maturação?
Luiz Augusto – Capital, insegurança jurídica e instabilidade político/econômica. Em nosso país, os sobressaltos político-econômicos trazem enorme impacto em empreendimentos de longo prazo. A insegurança jurídica é outro fator que pode inviabilizar projetos desta natureza. Se formos fazer um levantamento no país de quantos projetos de comunidades planejadas estão ou foram embargados por força de todo tipo de interpretação legal e até de temporariedade das leis, ficaremos surpresos. Isso afasta o capital, o interesse em empreender, causa desemprego e pobreza para os municípios.
E a maiores conquistas e motivos de orgulho?
Luiz Augusto – A maior conquista é ver o projeto que você imaginou e materializou, ser reconhecido e aplaudido pelos distintos públicos diretamente afetados, sejam os compradores pela valorização e qualidade de vida; a Municipalidade em que está inserido, por força da arrecadação de impostos; a imprensa pela inovação, sucesso e desenvolvimento gerado; pela população em geral pelos empregos criados, oportunidades concebidas, renda produzida.
Como administrar o setor comercial durante longos períodos e manter a saúde financeira, mesmo atravessando crises e distintos projetos de governo?
Luiz Augusto – Desde que a Riviera começou, em 1979, o Brasil enfrentou inúmeros planos econômicos para se controlar a inflação, entre eles, Cruzado e Cruzado 1 (1986), Plano Verão (1989), Plano Bresser (1987), Planos Collor 1 e 2 (1990/91) e finalmente o Plano Real (1994). Durante todo esse tempo a criatividade foi o que mais se exerceu na empresa. Soluções de todos os tipos para todos os problemas foram sendo aplicadas, com a finalidade de se manter a continuidade dos empreendimentos e de suas áreas comerciais. Subsídios, parcerias, carências, empréstimos, enfim, para cada situação, uma nova proposta. Muitas coisas deram certo, outras nem tanto. Mas o balanço tem sido positivo.
Como funciona a administração dos serviços urbanos na Riviera?
Luiz Augusto – A Riviera de São Lourenço conta com uma Associação de Amigos que faz, complementarmente à Prefeitura, inúmeros serviços urbanos. Hoje a Associação conta com 500 funcionários, distribuídos em quatro áreas, administrativo, saneamento (água e esgoto), segurança e manutenção. Trata-se de um exemplo único no Brasil e de grande eficácia.
Quais as principais ações de integração comunitária desenvolvidas?
Luiz Augusto – A Riviera de São Lourenço também colabora com o município no campo do desenvolvimento social e da educação. A partir de seu exemplo positivo, a Sobloco criou, em 1992, o Programa Clorofila de Educação Ambiental, que se encontra em seu 26º ano, numa parceria bem-sucedida com a prefeitura. Inspirado nos preceitos da Eco 92 – Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, hoje o projeto abrange 23 escolas do município, sendo 13 municipais, sete estaduais e três privadas.
Profissionais da área de educação e agronomia da empresa auxiliam as escolas do município a implantarem hortas e jardins em seu espaço físico, a reduzirem e separarem seu lixo, a reciclarem seus materiais e a desenvolverem atividades ligadas ao meio ambiente. O programa abrange um concurso anual voltado às escolas, que já está em sua 26ª edição, denominado Prêmio Atitude Ambiental, no qual alunos e professores são convidados a desenvolver trabalhos com temas ambientais. Eventos cívicos, oficinas de reciclagem, vivências com a natureza, palestras e projetos personalizados, de acordo com a demanda dos professores, são também desenvolvidos, em uma convivência permanente entre a equipe de meio ambiente da empresa e os educadores.
Outra iniciativa é a Fundação 10 de Agosto. Com 25 anos de atividades e mantida pela Riviera de São Lourenço, atende hoje cerca de 900 pessoas por ano, de todos os bairros de Bertioga. As atividades da entidade, permeadas por conceitos socioambientais, promovem a convivência social e comunitária de crianças e adolescentes, entre 5 e 18 anos e a inserção no mundo do trabalho para jovens e adultos de 16 a 50 anos. Esse caminho é trilhado por meio da oferta de cursos gratuitos de música e artes manuais para jovens e crianças, cursos técnicos de capacitação profissional para jovens e adultos, excursões, encontros, vivências e palestras.
Além dos programas desenvolvidos pela Sobloco, a Riviera apoia também diversas atividades da cidade voltadas à promoção social. Um exemplo é a Oficina dos Atletas. Organizada pela Surf Funcional, visa combinar o aprendizado desse esporte com a responsabilidade social e ambiental.
Como preservar os princípios e valores de uma comunidade planejada de modo a mantê-la eficiente ao longo dos anos, sem permitir que ela se desvirtue?
Luiz Augusto – Somente com a presença de uma única empresa durante todo o processo de desenvolvimento da comunidade planejada e mais, somente com uma equipe de pessoas que convivam com o projeto durante muitos anos. Ou seja, se o turn over for alto na empresa, ou se seu controle for alternado durante a execução do plano, reduziremos as chances de sucesso no longo prazo. É preciso que os planos gerados dentro da comunidade planejada tenham sequência. Que as ideias e seus responsáveis sejam prestigiados e reconhecidos. Não só pela empresa, mas pela comunidade local. Os projetos sociais e de cunho ambiental, como a ISO 14001 são um exemplo. Confiança numa equipe de profissionais longeva seria uma palavra mais apropriada para projetos de longo prazo.
Quais conselhos daria a quem está iniciando agora uma comunidade planejada?
Luiz Augusto – O sucesso do projeto estará muito baseado na sua estruturação jurídica. São muitas variáveis que precisam estar amarradas desde a concepção do projeto. Ao longo do desenvolvimento do empreendimento, se elas não estiverem previstas, dificilmente poderão ser aplicadas. Cito como exemplo as normas de uso e ocupação do solo ou a própria associação de amigos e sua função no empreendimento, entre outras.
Por todo o país, os governos municipais não têm conseguido implementar políticas eficientes nos espaços urbanos. De que modo as comunidades planejadas vem atender essa carência existente no mercado?
Luiz Augusto – As comunidades planejadas são a melhor alternativa para os municípios onde elas tem condições de ocorrer. Isso porque, estes empreendimentos são geradores perpétuos de empregos, renda e arrecadação de impostos. Também são ótimas opções pois entregam equipamentos urbano-ambientais de forma correta ( ruas, praças, sistemas de drenagem, água e esgoto, jardins), contribuindo para uma vida mais segura e de qualidade.
No seu entender, quais os principais aspectos que devem ser considerados num marco regulatório que dê mais segurança jurídica à implementação de comunidades planejadas?
Luiz Augusto – Sem dúvida, o maior problema que os projetos de longo prazo enfrentam hoje em nosso país é a insegurança jurídica. Empreendimentos aprovados e licenciados, muitos em plena execução, são judicializados, embargados e ficam anos sob discussão, com prejuízos incalculáveis para seus responsáveis. Há que se pensar em garantias maiores para quem empreende, sob o ponto de vista de aprovação e licenciamento de projetos.
Quais os campos de atuação e empreendimentos atualmente em desenvolvimento pela Sobloco?
Luiz Augusto – A empresa tem foco no planejamento e desenvolvimento urbano e também na construção civil. Nosso maior projeto, sem dúvida é a Riviera de São Lourenço, que exige grande dedicação do quadro de profissionais da organização. Outros projetos do mesmo estilo estão em andamento, como o Parque Faber-Castell em São Carlos, o Espaço Cerâmica em São Caetano do Sul.
Quais as perspectivas da Sobloco, aproveitando toda experiência que já possuem, para desenvolver empreendimentos em outras regiões do Brasil?
Luiz Augusto – A área de atuação da empresa é no Estado de São Paulo. Não há, no momento, planos de expansão para outros estados.
De que modo a insegurança ambiental e jurídica tem afetado vocês em nas decisões de expansão?
Luiz Augusto – Como já mencionado, a insegurança jurídica é o pior inimigo de quem pretende ingressar no campo das comunidades planejadas, cuja execução exige investimentos e trabalhos de longo prazo. Esta instabilidade, principalmente na área ambiental, está assustando os empreendedores e afugentando o capital. O Brasil poderia estar na vanguarda de projetos e empreendimentos deste gênero, mas o que vemos é cada vez menos empresas dispostas a apostar neste segmento. A Sobloco, com seu conceito de planejar bairros-cidades, é uma das últimas empresas do gênero em nosso país.
Luiz Augusto Pereira de Almeida é advogado, administrador de empresas, com mestrado em International Management em Babson College, Massachusetts. É sócio da Sobloco Construtora, empresa com 60 anos no mercado imobiliário do Estado de São Paulo e coordena os departamentos de marketing, vendas e sustentabilidade. É membro da FIABCI, Federação Internacional das Profissões Imobiliárias e do Conselho Consultivo do Secovi, Sindicato da Habitação – São Paulo. É palestrante e autor de dezenas de artigos sobre desenvolvimento urbano sustentável e comunidades planejadas.
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