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A Cédula de Crédito Imobiliário e os riscos da judicialização
Muitos dos adquirentes de imóveis com Alienação Fiduciária (A.F.) em garantia estão sob os efeitos de uma crise de insolvência. São os componentes das classes média e baixa, que formam contingentes de milhões de desempregados e de subempregados do país.
Em decorrência da crise de insolvência citada, é vultosa a quantidade de ações judiciais demandando a resolução dos contratos de compra e venda de imóvel com a garantia da Alienação Fiduciária do próprio bem imóvel adquirido. A falta de pagamento das parcelas consiste em cláusula resolutiva expressa, de modo que, configurada a mora e decorrido o prazo para sua purgação, sem que isso ocorra, a propriedade do imóvel se consolida em nome do credora fiduciário (normalmente o banco/financiadora), mediante simples ato de averbação da resolução ocorrida, nos termos daquilo que está contratado, na forma da Lei nº 9.514/97 e da Lei nº 10.931/04. Não há, portanto, necessidade de atuação do Judiciário, pois o procedimento de execução da dívida e a consequente consolidação da propriedade é integralmente extrajudicial.
Ocorre que na maioria dos casos o credor fiduciário não é mais o Incorporador/Vendedor da unidade imobiliária, mas sim uma instituição financeira, ou seja, o comprador paga o preço da compra do Imóvel ao alienante/vendedor com o dinheiro emprestado pela financiadora e, no mesmo ato, o comprador transfere a propriedade fiduciária (vende) o imóvel para a financiadora, sob a condição de que retomará a propriedade plena, depois de pagar o financiamento do preço.
E quando o comprador vai ao Judiciário solicitando a rescisão da compra do imóvel, os efeitos de tal rescisão judicial só afetarão o contrato de financiamento imobiliário garantido por A.F sem relação com a transmissão da propriedade da Incorporadora/Vendedora ao Comprador.
O que está havendo é tratamento judicial equivocado da estrutura jurídica acima citada, já que o Judiciário vem tratando tais contratos indevidamente como se fossem contratos de compromisso de compra e venda de imóveis, resultando na rescisão judicial destes contratos com devolução dos valores pagos pelo comprador. Porém, a Incorporadora/Vendedora recebeu o preço de venda à vista e não tem mais relação com aquele imóvel.
Insta consignar que a venda e compra retro citada NÃO PODE SER DESFEITA. O imóvel está definitivamente vendido pela Construtora para a Financiadora. Não é mais dela!!! O que é que o Poder Judiciário vai declarar resolvido? Somente o contrato de financiamento com garantia de alienação fiduciária do imóvel, que é outro contrato e não possui relação com eventuais vícios do contrato de compra e venda. Um contrato, expresso na escritura definitiva (que é um contrato solene), e outro contrato, no qual o comprador, agora titular do domínio, transfere a propriedade para a financiadora, até que ele, devedor fiduciário e proprietário, pague todas as parcelas do financiamento.
E pior, com base nas parcelas do preço do imóvel, ocorre a emissão de C.C.I (Cédula de Crédito Imobiliário) e CRI (Certificado de Recebíveis Imobiliários) e sua e securitização, que é colocado no mercado de ações (bolsa de valores), conforme artigos: Art. 6º da Lei 9.514: O Certificado de Recebíveis Imobiliários – CRI é título de crédito nominativo, de livre negociação, lastreado em créditos imobiliários e constitui promessa de pagamento em dinheiro; Parágrafo 1º: O registro e a negociação do CRI far-se-ão por meio de sistemas centralizados de custódia e liquidação financeira de títulos privados.
Art. 8º da Lei 9.514: A securitização de créditos imobiliários é a operação pela qual tais créditos são expressamente vinculados à emissão de uma série de títulos de crédito, mediante Termo de Securitização de Créditos, lavrado por uma companhia securitizadora (…)
Trata-se de uma operação estruturada, em cadeia, cuja essência são os créditos decorrentes do instrumento de venda do Imóvel. Com a decretação da rescisão judicial de referida venda toda cadeia é afetada colocando em risco o sistema financeiro e imobiliário do país.
E quando o Poder Judiciário aplica a esses negócios jurídicos a legislação consumerista, ou do próprio Código Civil, afastando a incidência das normas especiais da Lei nº 9.514 e da Lei nº 10.941, ocorre a intervenção na equação econômico-financeira dos contratos, o que viola a garantia da imutabilidade do ato jurídico perfeito, posta no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal.
Certo é que a fúria legiferante do nosso Congresso Nacional e o lobby do Setor financeiro-imobiliário levaram ao impasse que hoje é despejado no colo dos Membros do Poder Judiciário com refluxos no Poder Legislativo, ambos às voltas com a busca de solução que passa pela adequação dos dispositivos da Lei nº 9.514 com o CDC e com o Código Civil de 2015.)
O resultado disso tudo é uma grande quantidade de problemas decorrentes daRESCISÃO JUDICIAL de um contrato de compra e venda que não poderia ser rescindido.
Por óbvio, naquelas hipóteses em que há atraso na execução de obras a questão se torna mais delicada, notadamente nos casos em que o banco concede crédito ao incorporador/construtor de modo parcelado, para fins de execução da obra¹ e este – o construtor – não executa a obra em conformidade com o que foi ajustado no contrato particular. Nesses casos, fica evidenciada a possibilidade de rescisão contratual por inadimplemento do incorporador, que violou os prazos previstos no contrato. Claro, eventual ação judicial de rescisão contratual deverá contar com a participação do incorporador e do agente financeiro, tendo em vista os limites subjetivos da coisa julgada (art. 506 do CPC/2015).
Passemos a analisar os reflexos que tal decisão judicial reflete no mercado financeiro e imobiliário.
I – Rescisão da Venda de um Imóvel cuja transmissão de propriedade operou-se de forma plena e eficaz
Devemos deixar claro que não caberia RESCISÃO DE ESCRITURA PÚBLICA DE IMÓVEL, mas tão somente a nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico nos termos previstos nos artigos 166 e seguintes e artigo 138 e seguintes do Código Civil.
A venda do imóvel através de ESCRITURA PARTICULAR COM FORÇA DE ESCRITURA PÚBLICA, com registro no Registro de Imóveis, é ato jurídico perfeito e acabado, conclusão a que se chega com a leitura dos dispositivos de lei que disciplinam esse negócio jurídico:
Art. 38 da lei 9.514/97: Os atos e contratos referidos nesta Lei ou resultantes da sua aplicação, mesmo aqueles que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, poderão ser celebrados por escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pública.
Art. 108.C.C. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.
Art. 1245 CC: Transfere-se entre vivos a propriedade mediante registro do título translativo no Registro de Imóveis.
Concluindo, portanto, com o registro da Escritura Pública do Imóvel operou-se de forma definitiva a transmissão da propriedade do Imóvel, não devendo haver sua rescisão judicial, salvo, como já registrado, as hipóteses em que o próprio banco assume, em contrato, a obrigação de fiscalizar a evolução da obra e, apesar disso, verifica-se o atraso em sua execução.
Lembremo-nos de que a Venda e Compra é irreversível se o banco não integrar o processo acima citado. O imóvel não é mais da Construtora ou Incorporadora, vendedora que já recebeu e aplicou o dinheiro produto da venda. Do negócio de venda e compra com alienação fiduciária, somente remanesce o contrato de financiamento com garantia real, do imóvel, a ser liquidado em parcelas mensais.
II- A Cédula de Crédito Imobiliário e os riscos da judicialização
Outro ponto a ser considerado é a questão da CCI emitida com garantia real de Alienação Fiduciária cujo fato gerador é o crédito imobiliário do contrato de compra e venda do imóvel, o qual se “esvazia” com a decretação da rescisão judicial da aquisição do imóvel.
Fato é que após a edição da lei 10.931 no ano de 2.004 houve um fomento na economia brasileira com diversas operações de securitização de recebíveisrealizadas por COMPANHIAS SECURITIZADORAS.
Trata-se de uma operação estruturada, em cadeia, cuja base principal é a venda do imóvel e seus créditos. Com a rescisão judicial de referida venda e compra toda cadeia é afetada colocando em risco o sistema financeiro que “coloca no mercado (bolsa de valores), à venda, o CRI baseado nas CCIs emitidas”.
Estamos tratando aqui de uma questão primordial para a continuidade dos grandes investimentos no país e cuja decisão judicial infundada gera instabilidade das OPERAÇÕES DE SECURITIZAÇÃO DE CRÉDITOS IMOBILIÁRIOS e que fomentam todo o sistema financeiro brasileiro.
Há que se destacar, ainda, que deveria haver litisconsórcio passivo necessário quando é distribuída uma demanda judicial cujo objeto é um imóvel que tenha CCI emitida e lastreada na garantia de Alienação Fiduciária com base na venda do imóvel, em respeito ao artigo 18 abaixo:
Art. 18, § 8o LEI 10.931. O credor da CCI deverá ser imediatamente intimado de constrição judicial que recaia sobre a garantia real do crédito imobiliário representado por aquele título.
Concluindo, muitos pontos devem ser verificados e certamente a “insegurança jurídica” é o sentimento que afeta a todos os operadores não só do mercado imobiliário, como também financeiro. Há que se verificar o modo com que o Judiciário e os registradores passarão a compreender esse tipo de situação, podendo-se, indicar, de modo não conclusivo, ao menos, os problemas já apontados.
[1] Por exemplo, no chamado Plano Associativo, oferecido pela Caixa Econômica Federal, no qual o Incorporador deve executar a obra e a CEF, por sua vez, somente libera o recurso após realizar as devidas medições, que são periódicas. Nessa hipótese, a CEF tem obrigação de bem fiscalizar a execução da obra.
Por Kelly Durazzo – Durazzo Advogados
Colaborador: Aurélio Viana
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