Perfil
Perfil 103 – Patrícia O’Reilly
Com uma vida de trabalho dedicada à arquitetura sustentável, a arquiteta e proprietária do Atelier O’Reilly, Patrícia O’Reilly tem como missão desenvolver espaços que harmonizem tecnologia e meio ambiente. Acredita que a vida profissional e pessoal convivem em sincronia com suas experiências com o mundo.
Conheça mais sobre essas e outras características de Patrícia O’Reilly na entrevista ping-pong a seguir:
1. Qual sua formação?
Possuo mais de 30 anos trabalhando como ativista da causa da sustentabilidade. Minha formação formal é em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Belas Artes de São Paulo, mas considero que minha verdadeira educação se deu nas interações com a terra e nas observações silenciosas da natureza. Minha especialização em Paisagismo Ecológico e meu Mestrado em Urbanismo e Arquitetura Sustentáveis e Energia pela Universitat Politècnica de Catalunya foram passos naturais de uma trajetória dedicada a harmonizar o ambiente construído com o meio natural. Para mim, arquitetura não é apenas uma disciplina técnica, mas uma prática espiritual e filosófica, onde construímos não apenas edifícios, mas o próprio tecido das experiências humanas.
2. Tem filhos?
Sim, tenho 6 filhos sendo 3 deles de coração que chegaram até mim pelo meu parceiro de vida e de conquistas Alexandre Mavignier. Formamos uma família ampliada, que se tornou uma extensão do meu aprendizado e do meu desenvolvimento como pessoa. Para mim, representam a continuidade daquilo que é mais sagrado. Ser mãe aprofundou minha compreensão da sustentabilidade, deixou de ser um ideal distante e passou a ser uma responsabilidade urgente e pessoal. Como arquiteta urbanista, revelo espaços e lugares, pensando na herança que deixo para eles e para todas as crianças que virão e para o planeta, na esperança de que encontrem um planeta que reflita o cuidado e o respeito que hoje tanto buscamos implementar.
3. Quais são seus interesses e hobbies?
Minha vida se mistura nos âmbitos profissional e pessoal, não acredito nessa divisão. Trabalhamos o que é importante para o ato de viver e isso é muito mais do me distrair, é estar todo o tempo atenta para como materializar as minhas vivências em realidade aplicada ao espaço e ao meio. Sou atraída por práticas que conectam o ideal ao real. Como arquiteta e urbanista com uma visão enraizada na sustentabilidade, meu “fazer” envolve materializar soluções que impactem positivamente o meio ambiente e a vida das pessoas. Adoro mergulhar em processos construtivos, explorar novas tecnologias e métodos construtivos sustentáveis e acompanhar de perto a transformação de conceitos em espaços tangíveis e habitáveis. Essa prática me proporciona a satisfação de contribuir, de forma “realista”, para cidades mais inclusivas, resilientes e ecologicamente equilibradas. Como criadora para um mundo real, busco desenhar cenários para futuros melhores ancorados na sapiência do desenrolar do passado. Após décadas de atuação, continuo deslumbrada pela capacidade que o urbanismo tem de transformar realidades. É muito potente pensar estrategicamente sobre como os elementos de uma cidade, sejam eles sociais, ambientais, econômicos ou arquitetônicos, se interconectam para formar um todo harmônico. Para mim, o ato de criar vai além de projetar espaços: é projetar dinâmicas de convivência, respeitando as histórias locais, acolhendo a diversidade e promovendo a regeneração ambiental. É nesse equilíbrio entre criar e realizar que encontro propósito e inspiração.
4. Qual é o seu prato, restaurante ou culinária favorita?
A comida que me atrai é aquela que carrega consigo a história do lugar e o respeito pelo solo que a cultivou. Gosto de pratos simples, como um salteado de vegetais frescos ou um prato de grãos e legumes preparados com ervas locais. Há poesia no ato de comer o que foi colhido ou cultivado com cuidado e em harmonia com a natureza. Para mim, a culinária transcende o simples ato de se alimentar, ela é uma expressão da nossa ligação com a terra, um ato de celebração e gratidão pelos recursos que nos são ofertados. Vivemos em um mundo onde o volume de alimentos produzidos seria suficiente para alimentar toda a população planetária, mas o acesso equitativo e sustentável ainda é um desafio. Acredito que o consumo consciente deve estar no centro de nossas escolhas alimentares. Optar por alimentos que não provoquem a industrialização da vida é essencial para honrar o ato de viver em todas as suas formas. É imprescindível preservarmos a dignidade de todas as espécies e buscar nos alimentos benefícios para à saúde humana. Os alimentos frescos, integrais e cultivados de maneira sustentável pode promover longevidade e bem-estar, respeita os ciclos naturais, proteger os ecossistemas e assegurar que futuras gerações também poderão desfrutar da abundância e da diversidade que o planeta nos oferece.
5. Um destino, cidade ou país que é indispensável para conhecer? Por quê?
Bali, na Indonésia, é um lugar que encanta não apenas por sua beleza natural, mas pela delicadeza e hospitalidade de seu povo. Lá, vivenciei um acolhimento único, profundamente enraizado em uma cultura que valoriza o bem-estar coletivo. A espiritualidade balinesa, presente em cada gesto e ritual, é o reflexo de sua dedicação ao equilíbrio e à harmonia em todas as dimensões da vida. Foi nesse cenário que me tornei Master Builder em bambu, aprendendo técnicas construtivas com esse biomaterial mágico e também absorvendo a leveza com que os balineses conduzem seu dia a dia. Cada sorriso, cada oferenda, cada interação oferecia uma intenção de cuidado, conectando as pessoas entre si e com o mundo. Bali me mostrou como é possível viver de forma simples, integrada e acolhedora, com respeito por todas as formas de vida.
6. E no Brasil?
No Brasil, é impossível não falar da minha paixão mais profunda: a Amazônia. Esse coração pulsante do nosso planeta é tão repleto de vida quanto de desafios. Minha experiência com as pessoas dessa região me toca profundamente, não apenas pela força com que enfrentam as adversidades, mas também pela sabedoria ancestral que os povos originários carregam em suas raízes e em sua relação íntima com a floresta. Há uma simplicidade poderosa em suas vidas, uma conexão visceral com a natureza que muitas vezes esquecemos no mundo urbano. O que mais me marcou foi perceber que, mesmo em um contexto onde os problemas podem parecer avassaladores, ainda há espaço para dialogar, aprender e construir soluções conjuntas. Compreender os diversos modus vivendi da Amazônia me mostrou a urgência de uma missão: apoiar as comunidades ribeirinhas, preservar as reservas e implantar sistemas que promovam dignidade, trocas de saberes e regeneração. As comunidades amazônicas me ensinaram que políticas públicas que alcancem os povos da floresta são fundamentais, não apenas para garantir suas vidas, mas também para preservar a própria natureza. Essa preservação não depende apenas de técnica, depende de um escuta ativa, respeito mútuo e colaboração genuína. A Amazônia é mais do que um território de biodiversidade: é um espaço de imenso potencial humano, tecnologia e de inovação social. Minha vivência na região reforça, dia após dia, a crença de que, ao unir conhecimentos tradicionais e contemporâneos, podemos traçar caminhos sustentáveis e justos, que respeitem a vida em todas as suas formas. A nossa Amazônia é, acima de tudo, um convite para repensarmos o futuro que queremos construir juntos. “Cada história que ouvi, cada olhar que encontrei, cada árvore deitada e cada broto ressurgido revelou a esperança de que é possível construir um mundo melhor, e que é ainda possível perpetuar a nossa relação com o meio em que vivemos”.
7. Quais são os livros, filmes, músicas ou recursos que te inspiram?
Os livros que mais me inspiram são obras de autoras e autores brasileiros que refletem sobre urbanismo e soluções sistêmicas para as cidades do futuro. Jorge Wilheim, com “Os Códigos da Cidade”, e Raquel Rolnik, em “Territórios em Conflito”, oferecem visões essenciais sobre como planejar cidades mais inclusivas, justas e conectadas com o meio ambiente e as pessoas. Essas leituras ampliam minha compreensão sobre o papel das cidades na construção de um mundo mais sustentável e humano. Na música, encontro inspiração no que há de mais autêntico em nossas raízes culturais. As cirandas do Nordeste, os cordéis que transformam histórias em poesia cantada, as modas de viola do sertão e as canções preservadas por comunidades indígenas e ribeirinhas carregam uma riqueza inestimável. As músicas desconhecidas de comunidades isoladas, ainda presentes em celebrações e rituais, são um retrato vivo da alma brasileira. Admiro os contadores de histórias regionais, que mantêm vivas as tradições orais e os saberes ancestrais de suas comunidades. Suas narrativas e cantos são fontes preciosas de inspiração, e conectam o passado ao presente de forma genuína.
8. Rede social que mais interage?
Sou pesquisadora de temas em diversas plataformas que abordam assuntos ligados às minhas áreas de atuação, como soluções sistêmicas para cidades, uso de materiais naturais na construção e novas perspectivas sobre sustentabilidade e regeneração. Esses espaços me permitem explorar conteúdos aprofundados e interagir com pessoas que compartilham uma visão de futuro mais integrada e consciente. Algumas redes sociais, proporcionam um espaço rico para compartilhar ideias, trocar experiências e conectar profissionais e iniciativas alinhadas aos interesses comuns. Gosto de acompanhar pensamentos e discussões sobre urbanismo sustentável, inovação em arquitetura e práticas regenerativas, além de contribuir com artigos e reflexões sobre esses temas.
9. Como você se mantém atualizado e aprende continuamente?
O aprendizado é um processo orgânico, que flui do meu desejo de entender o mundo e de aprimorar a minha prática. Faço cursos regulares com temas variados dentro do meu universo sustentável e aplicações, hotelaria e desenvolvimento urbano, modelagem de negócios e novos horizontes em materialidade. Também vou buscar a forma arquitetônica adequada à realidade preservacionista que mimetize a natureza me lançando no Parametric Design. Também aprendo com as pequenas lições diárias da observação dos processos adotados pela natureza para se auto regular. A natureza, com sua constante adaptação e renovação, é uma de minhas principais mestras.
10. Você tem alguma filosofia de vida pessoal que guia suas decisões?
Minha filosofia de vida é inspirada pelo pensamento budista de que tudo está conectado e cada gesto reflete no entorno imediato e futuro. Cada decisão que tomo busco orientar pela consciência de que meu impacto nunca é isolado, ele reverbera, afetando não apenas o presente, mas também o futuro que construímos. Acredito que a autenticidade e a real resolução de problemas não vêm de cópias, ela nasce da experiência e reflexão do indivíduo pelo, e, com o meio, entendendo quais são as necessidades do mundo agora e quais serão as do futuro se adotarmos esta ou outra linha de atuação. Primo pela ética e só admito a cópia quando ela vem para somar no mundo transformando-se dentro dela mesma pela necessidade e não apenas para somar ao ego do copista.
11. Qual é o papel da família e das relações pessoais em sua vida?
Família, para mim, é onde reside a nossa essência mais verdadeira. É o lugar onde buscamos compreensão e onde nossas raízes profundas nos oferecem segurança para edificar. As relações pessoais me ancoram, me lembram de que todo projeto, por maior que seja, deve começar com um gesto simples de cuidado e respeito pelos que nos cercam.
12. Como você equilibra sua vida profissional e pessoal?
Para mim, não existe uma divisão clara entre a vida profissional e a pessoal, pois acredito que sou, em ambos os universos, a mesma pessoa. O que aplico e defendo na minha vida profissional é exatamente o que pratico e valorizo na minha vida pessoal. O que vale para um, inevitavelmente, vale para o outro. Meus equívocos e acertos fazem parte de um rico repertório que me proporciona criar novas sinapses de vida a cada novo passo rumo a descobertas sobre mim mesma e sobre o mundo que desejo para todos nós. Cada experiência, seja ela de aprendizado ou de conquista, enriquece essa jornada de autoconhecimento e propósito. O amor é o eixo que conecta todas as camadas da minha existência. Ele se manifesta de formas diversas, mas sua essência permanece a mesma: um sentimento genuíno de conexão, e cuidado. É esse amor que me move no mundo, conduzindo minhas ações, decisões e relações, seja no âmbito profissional ou na esfera pessoal. Viver dessa forma integrada me permite não apenas encontrar equilíbrio, mas também cultivar plenitude em tudo o que faço.
13. Como você lida com o estresse e mantém um equilíbrio emocional?
Vejo o estresse como um sinal de desconexão. Quando ele aparece, é um convite para voltar ao presente, respirar fundo e ouvir o que o corpo e a mente estão tentando comunicar. O contato com a natureza são práticas que me reequilibram e me permitem voltar ao meu centro.
14. Quais são suas metas e aspirações pessoais?
Minha aspiração é deixar um legado de regeneração interpessoal, ambiental e social, tanto nos projetos que realizo quanto nas vidas que toco. Almejo criar espaços que funcionem como oásis de reconexão, onde as pessoas possam redescobrir o valor do equilíbrio com a natureza e, por consequência, com elas mesmas. Sinto que meu papel é ser um agente de equilíbrio entre os interesses capitais, sociais e ambientais, especialmente por meio das minhas incursões em projetos de desenvolvimento urbano. Acredito no poder de trazer à luz o grande valor humano no que diz respeito ao gênio criativo, ao mesmo tempo buscando controlar seu gênio destrutivo a partir de uma consciência gerada por impulsos, estímulos e vivências que despertem o pertencimento e a necessidade de preservação. Valores essenciais para garantir a perenidade da nossa espécie. Minhas metas pessoais e profissionais convergem no propósito de harmonizar interesses e inspirar um senso de responsabilidade coletiva pela nossa casa, nosso planeta, abrindo caminhos para um futuro mais justo, equilibrado e sustentável.
15. Qual foi o seu maior desafio pessoal e como o superou?
Meu maior desafio tem sido lidar com o excesso de expectativas, tanto externas quanto internas. Superar este desafio envolve uma jornada de autoconhecimento e aceitação, um processo de desapego e de redefinição do que significa sucesso para mim e como alcançar este alvo.
16. E na sua empresa?
O desafio de transformar a cultura organizacional para que todos internalizem a sustentabilidade como parte da nossa essência. Isso só pode ser superado através de educação contínua e da prática do que pregamos, permitindo que cada membro da equipe vivencie o impacto positivo que desejamos alcançar. Trazer a tecnologia como aliada também é uma tarefa necessária para ganhar agilidade e encurtar caminhos.
17. Como você lida com desafios e obstáculos nos negócios?
Para crescer e descobrir novas possibilidades, muita resiliência, curiosidade, abertura e auto avaliação. Nada chega até você que não tenha sido causado por você mesmo. É preciso encontrar espaços para reflexão. Mas, os obstáculos são também, obviamente grandes oportunidades de inovação, onde as soluções mais criativas podem acontecer. É uma abordagem que não busca vencer o desafio, mas aprender com ele e graduar.
19. Qual foi sua maior realização até agora?
Construir um caminho onde a arquitetura e o urbanismo se fundiram com o ativismo ambiental-social, demonstrando que é possível criar projetos que são, ao mesmo tempo, rentáveis, belos, regenerativos e inclusivos.
20. Qual é o seu maior objetivo profissional?
“O futuro que sonhamos começa nas pequenas escolhas que fazemos todos os dias. Que cada decisão seja um ato de amor e respeito pelo planeta e por todos os seres que nele habitam. Assim, construímos espaços e possibilidades para um mundo mais íntegro e harmônico para todos nós.”