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Artigo – Mudanças climáticas e desenvolvimento urbano: impactos e desafios
Beatriz Codas¹ e Dilnei Silva Bittencourt²
A mudança climática é uma realidade incontestável e um desafio global que abrange todos os aspectos de nossas vidas. Ela nos desafia a repensar nossos sistemas urbanos, em todas as suas escalas e infraestruturas – drenagem e recursos hídricos, mobilidade, edifícios, disponibilidade de alimentos, sistemas de lazer, gestão de riscos etc. – e a forma como fazemos negócios, destacando-se aqui as chamadas oportunidades de negócios “verdes”.
Em todo o mundo, cientistas tentam entender melhor como o clima está mudando, que alterações podemos esperar no presente ou no futuro e qual o papel das atividades humanas. E de acordo com o IPCC (Climate Change 2013: The Physical Science Basis – Summary for Policymakers), há um amplo consenso científico de que:
- O aquecimento do sistema climático é inequívoco;
- A influência humana sobre o sistema climático é clara.
Segundo o Sexto Relatório do IPCC – Grupo I (AR6 WGI), lançado em agosto de 2021 o IPCC, a menos que haja reduções imediatas nas emissões de gases de efeito estufa, limitar o aquecimento a 1.5 graus ◦C, meta do Acordo de Paris (2025), pode ser impossível. Com a ação dos gases de efeito estufa o planeta já aqueceu em média 1.1ºC. Entretanto, o aquecimento sobre os continentes é maior, na ordem de 1.6ºC, onde está assentada a estrutura social e econômica, ultrapassando o limiar de 1,5ºC. Situação que não leva em consideração o aquecimento de 0,5ºC mascarado pelos aerossóis.
No cenário atual, as cidades, que tiveram historicamente suas construções baseadas em infraestruturas cinzas, sofrem com a intensificação desses eventos climáticos extremos promovida pelo contexto das mudanças climáticas. As fortes chuvas e suas consequências – enchentes, inundações, enxurradas e deslizamentos de terras –, serão cada vez mais frequentes, tornando urgente a necessidade de um novo modelo de urbanização.
Diante desses desafios, os bairros planejados são uma alternativa para o desenvolvimento urbano sustentável a partir do emprego de medidas de mitigação e adaptação à mudança climática. Nesse artigo vamos falar um pouco sobre os desafios e oportunidades para os bairros planejados em tempos de crise climática.
Origem da mudança climática
O “efeito Estufa” é um processo natural que garante uma temperatura adequada à vida na terra. Sem ela nosso planeta seria muito frio impedindo a existência da maioria das formas de vida.
Entretanto, a emissão excessiva de gases causadores do efeito estufa, notadamente após a revolução industrial no século XVIII, tem causado uma elevação excessiva da temperatura média global. O Painel intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) em recente estudo, em 2017, indica uma probabilidade de 90% para e elevação da temperatura média terrestre neste século para valores entre 2 e 4,9 °C. Uma elevação de 2% já traria problemas ambientais irreversíveis.
A NASA divulgou que 2020 foi o ano mais quente da história com a temperatura média global foi 1,02 C° maior em comparação com o período entre 1951 e 1980.
Os principais gases de efeito estufa (GEE) e suas principais fontes de emissão são descritos a seguir:
- Vapor de água (H2O): encontrado em suspensão na atmosfera;
- Monóxido de Carbono (CO): gás incolor, inflamável, inodoro, tóxico, produzido pela queima em condições de pouco oxigênio pela alta temperatura do carvão ou outros materiais ricos em carbono, como derivados de petróleo;
- Dióxido de Carbono (CO2): expelido pela queima de combustíveis utilizados em veículos automotores à base de petróleo e gás, da queima de carvão mineral nas indústrias, e da queima das florestas;
- Clorofluorcarbonos (CFC): composto formado por carbono, cloro e flúor, proveniente dos aerossóis e do sistema de refrigeração;
- Óxido de Nitrogênio (NxOx): conjunto de compostos formados pela combinação de oxigênio com o nitrogênio. É usado em motores de combustão interna, fornos, estufas, caldeiras e incineradores, pela indústria química e pela indústria de explosivos;
- Dióxido de Enxofre (SO2): é um gás denso, incolor, não inflamável, altamente tóxico, formado por oxigênio e enxofre. É usado na indústria, principalmente na produção de ácido sulfúrico e, também, é expelido por vulcões;
- Metano (CH4): gás incolor, inodoro e se inalado é tóxico. É expelido pelo gado, ou seja, na digestão dos animais herbívoros, decomposição de lixo orgânico, extração de combustíveis, dentre outros.
No ano de 2018, o Brasil emitiu quase dois trilhões de GEE na atmosfera, sendo a mudança do uso de terra a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa no país.
O Brasil ocupa o quarto lugar no ranking dos 10 países com maior acúmulo de emissões por emissão de CO2 derivado de queima de combustíveis fósseis, desmatamento e mudança do uso da terra. Atrás apenas dos Estados Unidos, China e Rússia.
Mudança Climática e os desafios para a drenagem urbana
Dentre os desafios da mudança climática para a urbanização, a alteração do ciclo hidrológico e o aumento da magnitude dos eventos de chuvas e estiagens prolongadas merece destaque pelo seu impacto na drenagem urbana, mobilidade, qualidade das águas e segurança das populações. Historicamente, a urbanização resulta em uma série de impactos sobre a paisagem que implicam por sua vez na diminuição da resiliência dos sistemas naturais a sobrecargas, como chuvas intensas e períodos de seca severos, devido a perda da capacidade do ambiente natural da paisagem de fornecer o que chamamos de serviços ecossistêmicos.
Já é comprovada que a frequência e intensidade de eventos climáticos extremos tais como enchentes, furacões e secas está aumentando devido a mudança climática. Um estudo recente revelou que os ciclones tropicais se tornarão mais agressivos e que ondas de calor se tornarão comuns. Esse fenômeno atinge todos os continentes de maneira indiscriminada. Nesse contexto, o Brasil é o sexto país mais atingido por catástrofes climáticas.
Lembramos que as cidades, desde suas origens na Mesopotâmia, até as atuais sempre estiveram vinculadas a um rio, tais como Nova Iorque com o rio Hudson, Londres com o rio Tamisa, Paris com o rio Sena, São Paulo com o rio Tietê, Lisboa como o rio Tejo e Porto Alegre com o Guaíba.
Poder público e as enchentes
Historicamente o poder público, tanto nos níveis municipal, estadual e federal, age de forma reativa ao fenômeno das enchentes: Ajuda aos atingidos; declaração de estado de calamidade pública; mobilizam forças de segurança, defesa civil e ajuda humanitária. Nenhuma das cidades catarinenses historicamente sujeitas a enchentes possui um eficiente sistema de monitoramento, alarme e mitigação. Há um fenômeno social mundial que mostra que em locais atingidos por catástrofes, imediatamente instala-se um período de urgência na sociedade capaz de efetuar mudanças estruturais para mitigação ou eliminação de futuras ocorrências. Ocorre que com o passar do tempo esse senso de urgência vai arrefecendo e as políticas capazes de evitar novos desastres são absorvidas por outras demandas até que uma hora novo desastre se repete e vem a velha desculpa das autoridades: “Choveu mais do que o esperado”.
Sugestões de atuações
O enfrentamento das causas do aquecimento global e suas nefastas consequências podem ser feitos com ações de curto, médio e longo prazo. As de curto prazo agem como mitigadoras: monitoramento, alarmes, auxílio emergencial etc.; as de médio prazo atuam na proteção: diques; bacias de contenção, regras edilícias etc.; enquanto as de longo prazo são as mais efetivas para evitar os danos do caos climático: regras de ocupação do solo; proteção de florestas; redução da emissão de gases de efeito estufa; proteção de rios, educação ambiental, etc.
Sabemos que as variáveis ambientais não se submetem às fronteiras territoriais e às mudanças no seu comportamento são aleatórias e se arrastam por longos tempos, portanto para um efetivo enfrentamento das recorrentes enchentes de SC urge a necessidade de uma coordenação central. Estudos da ASCE-American Society of Civil Engineers cita que a bacia hidrográfica é o elemento chave para o manejo das enchentes (A Synthesis of Climate Change Impacts on Stormwater Management).
- Criação de uma instituição pública com forte atuação da sociedade civil (profissionais, universidades. etc.) para criar e gerenciar esse tema;
- Consolidar todos os conhecimentos existentes sobre nossos rios em um grande acervo técnico de fácil acesso;
- Regras para projeto de macro e micro drenagem urbana;
- Regras para defesas da integridade dos rios;
- Regras de ocupação do solo;
- Métodos construtivos;
- Sistemas de alerta e evacuação.
Bairros planejados: como adaptar a cidade de hoje para o amanhã?
A ocupação do território pelos humanos é caracterizada por um caminho inexorável em direção à vida em cidades. Na virada do século passamos a ter mais gente morando em cidades do que no meio rural. Hoje já somos 54% de citadinos e seremos 66% em 2050, de acordo com a ONU. ou seja, temos pela frente o grande desafio de abrigar, pelo menos, 4 bilhões de pessoas em nossas cidades até o final do século. Como faremos isso em tempos de caos climático é o que importa, aqui novamente entra a importância dos bairros planejados. Entre todos as disciplinas envolvidas no desenho urbano destacamos neste artigo a relevância da criação de uma infraestrutura de drenagem urbana “verde” devido ao seu potencial de mitigação dos impactos da mudança do uso do solo sobre os serviços ecossistêmicos fornecidos pelos sistemas naturais, a adaptação e resiliência urbana aos efeitos da mudança do clima.
A Infraestrutura Verde é uma Solução baseada na Natureza (SbN) de planejamento espacial para o desenvolvimento urbano sustentável que se baseia na criação de uma rede de espaços verdes-azuis, de múltiplas escalas e funções, que adaptam a infraestrutura existente ou planejada aos processos naturais da paisagem para minimizar os impactos da urbanização sobre a permeabilidade do solo, as chuvas, a qualidade da água e do ar, o clima, a biodiversidade e a qualidade de vida das pessoas.
A Infraestrutura Verde reconhece a água como recurso natural protagonista do desenho urbano, que impacta, e é impactado, por todos os domínios do projeto.
A partir de uma compreensão sistêmica da paisagem a infraestrutura verde propõe a integração da água à infraestrutura urbana recuperando a permeabilidade do solo e a cobertura vegetal, fornecendo benefícios que vão além da drenagem, podendo destacar:
- Redução dos riscos de alagamento, inundações, enchentes e enxurradas;
- Redução da escassez de água para abastecimento;
- Redução dos poluentes das águas, do solo e ar;
- Revitalização dos corpos hídricos;
- Ampliação da cobertura vegetal e da biodiversidade;
- Redução dos riscos de ilha de calor urbana;
- Criação de sistema de áreas verdes e de lazer como parques lineares, vias parques e áreas verdes diversas;
- Criação de conexões que favorecem a mobilidade a pé e cicloviária de baixo carbono;
- Proporciona o contato das pessoas com a natureza.
No Relatório Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos (2018; 2020) a ONU enfatiza que as SbN implantadas por meio de uma infraestrutura verde e híbrida são essenciais para garantir a resiliência urbana frente aos riscos climáticos relacionados à água. E destaca que embora a água não seja considerada como tal, ela é um elemento crucial no alcance dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 e para o alcance das metas do Acordo de Paris.
Nesse sentido, planejar bairros e cidades sensíveis à água é, sem dúvida, a direção correta para qualidade de vida das pessoas e saúde do Planeta Terra.
1Sócia Diretora da Geasa Engenharia. Engenheira Civil, Mestra em Saneamento e Especialista em Infraestrutura Verde
2Engenheiro Civil, Consultor em engenharia urbana e sustentabilidade. Conselheiro da Pedra Branca
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