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Novas tecnologias avançam no financiamento imobiliário, ampliam acesso ao capital e elevam padrões de segurança
Blockchain e tokenização surgem como um avanço importante, mas implementação ainda apresenta desafios para o setor
O mercado imobiliário brasileiro vive um novo momento com a adoção de tecnologias como blockchain e tokenização, que começam a se consolidar como alternativas reais no financiamento de incorporações. Embora ainda em fase inicial no país, especialistas afirmam que o impacto sobre eficiência, captação e governança tende a ser profundo e representa mais que modernização dos processos, mais segurança.
Para Felipe Medeiros, head de Estruturação da Trinus, essas tecnologias estão redesenhando o acesso ao funding. “A adoção de tecnologias como blockchain e a tokenização estão transformando o acesso ao capital no setor imobiliário ao criar alternativas para captar recursos, especialmente via mercado de capitais”.
O executivo lembra que, historicamente, financiamentos dependiam quase exclusivamente de bancos e grandes instituições financeiras, mas que o ambiente está mudando. “Com a tokenização, os empreendimentos podem ser fracionados digitalmente, o que possibilita que investidores menores, até mesmo de varejo e internacionais, participem com tickets menores e maior flexibilidade. Essa democratização tende a facilitar a distribuição de títulos (como CRIs) com lastro imobiliário à investidores de varejo”, explica.
Além de ampliar a base de capital, o uso de blockchain introduz automação e eficiência. Processos como distribuição, monitoramento de garantias e fluxo de pagamentos podem ocorrer de forma automatizada, por meio de estruturas programáveis (smart contracts), otimizando o tempo, reduzindo custos transacionais e mitigando riscos operacionais.
A avaliação é compartilhada por Eduardo Buzzi, líder de investimentos da Terracotta Ventures, que destaca o ganho de eficiência como motor desse avanço. “A tecnologia reduz custos operacionais e de análise de risco, melhora a governança e cria oportunidades para que incorporadoras menores acessem funding que antes era restrito. Isso abre espaço para novos produtos e para públicos hoje subatendidos”, explica.
Para Buzzi, surge também a possibilidade de novos modelos de negócio em função destes avanços tecnológicos, sejam para os agentes financiadores, sejam para construtores, que podem passar a atuar de formas mais criativas
Bem como os ganhos de eficiência e democratização, há também uma mudança no formato das ofertas e em como os investidores se relacionam com elas. Rubens Neistein, da CoinPayments e Netspaces, afirma que a tecnologia está permitindo modelos mais ágeis e transparentes de captação. “O grande impacto está na capacidade de acessar capital de forma mais rápida e menos restritiva. No modelo da Netspaces, por exemplo, cada token representa um imóvel inteiro registrado em blockchain, o que dá clareza jurídica e reduz a confusão sobre cotas”.
Segundo ele, estruturas reguladas, como as ofertas da CVM 88, também ganham tração. “Funciona como uma captação pública, só que digital. A incorporadora estrutura a oferta, emite os tokens e os disponibiliza para investidores dentro das regras tradicionais de governança”.
Como tudo funciona na prática
A tokenização não altera a lógica do negócio imobiliário, que continua sendo um empreendimento físico. O que muda é a forma de estruturar e distribuir esse investimento.
“Quando falamos em tokenização, estamos falando basicamente de uma metodologia que transforma ativos reais em cotas digitais, registradas em uma rede blockchain”, detalha o head de estruturação da Trinus. A tecnologia atua como um “cartório digital”, garantindo imutabilidade e rastreabilidade.

“Quando o empreendimento gera lucro, contratos inteligentes garantem que o valor correspondente seja repassado de forma automática, proporcional e instantânea para a carteira digital de cada investidor”, explica.
Felipe Medeiros.
Para Neistein, na prática, primeiro o projeto define sua necessidade de capital; em seguida, se estrutura a oferta via CVM 88; depois os tokens são emitidos e disponibilizados para investidores qualificados ou de varejo, conforme regras da oferta; e, por fim, o recurso captado entra no projeto com acompanhamento contínuo, auditoria e trilha de auditoria na blockchain. “O resultado é um mercado primário mais aberto, democrático e com rastreabilidade do início ao fim”, reflete.
O que muda com blockchain na tecnologia, segurança e acesso a funding
A segurança é um dos pilares mais citados pelas empresas que já operam com o modelo. Medeiros destaca benefícios como imutabilidade, redução de fraudes, monitoramento em tempo real e integração com mecanismos de KYC (Know Your Customer) e AML (Anti-Money Laundering). “A grande contribuição da blockchain é trazer um nível diferenciado de transparência, rastreabilidade e segurança na estruturação de ativos tokenizados”.
Essa elevação do padrão de governança também tem impacto direto sobre o custo de capital, como aponta Eduardo Buzzi. “A transparência trazida por blockchain e tokenização melhora a governança das operações, o que atrai novos investidores e ajuda a reduzir o custo de capital”.
Buzzi destaca que as tecnologias emergentes estão criando eficiência em quatro áreas essenciais: custo de aquisição, custo de operação, avaliação de risco e governança. Algumas soluções já presentes no mercado digitalizam processos, reduzem trabalho manual e tornam operações menores economicamente viáveis, algo impensável nos modelos tradicionais.
Essas mudanças, afirma ele, geram dois efeitos concretos: a criação de novos produtos financeiros e o atendimento a públicos antes subatendidos, especialmente incorporadoras de menor porte.

“Em geral, a tecnologia entra no jogo reduzindo custos, melhorando a governança e criando oportunidades para novos produtos e públicos, o que ajuda incorporadoras a acessar capital de forma mais prática e atraindo investidores que antes não participavam desse mercado”.
Eduardo Buzzi.
Com relação ao acesso ao capital, Rubens Neistein ressalta o impacto da tecnologia. “O grande impacto está na capacidade de acessar capital de forma mais rápida, eficiente e transparente, sem depender exclusivamente dos modelos tradicionais de financiamento imobiliário que são lentos, caros e restritivos”.
Para ele, a blockchain resolve dois problemas crônicos do mercado imobiliário, que são a falta de transparência e a lentidão de processos.

“Quando todo o ciclo de um token (emissão, transferência, liquidação, garantias) fica registrado numa blockchain pública, cada operação gera uma prova irrefutável. Não tem como alterar, apagar ou ‘interpretar diferente’ depois”.
Rubens Neistein.
Desafios regulatórios e jurídicos
Apesar dos avanços, a consolidação ainda esbarra em questões regulatórias. Medeiros lembra que a CVM enquadra tokens com direitos econômicos como valores mobiliários, o que exige que todo o processo siga regras idênticas às das emissões tradicionais. Além disso, a blockchain não substitui o registro imobiliário, o que limita a eficácia jurídica de alguns modelos.
“A ausência de integração normativa e tecnológica entre os registros imobiliários e plataformas blockchain ainda limita a plena eficácia de tokens que representem frações de direitos reais”, afirma.
Questões como custódia, perda de chaves privadas e interoperabilidade com sistemas bancários seguem sem consenso. E, no setor imobiliário, episódios como a suspensão da Resolução COFECI nº 1.551 (que criava um regime jurídico novo para tokenização imobiliária) mostram que o diálogo entre tecnologia e regulação ainda está em desenvolvimento.
Ainda assim, Medeiros acredita que o cenário avança: “Entendemos que os pequenos avanços normativos e o possível avanço do Projeto de Lei nº 4.438/2025 (que institui o regime jurídico para a transformação de ativos imobiliários em tokens imobiliários) vão ajudar a uniformizar diretrizes, mas o cenário ainda precisa de segurança jurídica consolidada”.
Rubens concorda que existem avanços, mas também entraves, como o desconhecimento das normas existentes; falta de integração entre blockchain e o ecossistema imobiliário tradicional; falta de padronização documental e jurídica e baixa familiaridade dos investidores institucionais.
“A boa notícia é que o ambiente regulatório brasileiro é hoje um dos mais avançados do mundo. O que falta é escala operacional e educação de mercado, fatores que estamos construindo agora”, finaliza Neistein.
- Por Graziela França (head de conteúdo) e Maíra Sobral (coordenadora de conteúdo na ADIT Brasil)
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